SHŌTOKU TAISHI

Príncipe Shotoku e seus dois filhos, desenho de autoria desconhecida

Príncipe Shōtoku (聖徳太子 Shōtoku Taishi, 7 de fevereiro de 574 – 8 de abril de 622), conhecido também como Príncipe Umayado (厩戸皇子 Umayado no ōji) ou Príncipe Kamitsumiya (上宮皇子 Kamitsumiya no ōji), foi um regente semi-lendário e político influente do período Asuka, no Japão sob o domínio da Imperatriz Suiko. Era filho do Imperador Yōmei e sua consorte, a princesa Anahobe no Hashihito, que também era sua meia-irmã. Seus pais eram parentes do clã Soga e esteve envolvido na derrota do clã Mononobe. Os feitos e a vida do príncipe Shōtoku estão registrados no Nihonshoki.

Gerações se sucederam cultuando a figura do Príncipe Shōtoku como o protetor do Japão, da família imperial e do budismo. Figuras religiosas importantes como Saichō, Shinran entre outros alegam ter inspiração e visões atribuídas ao príncipe.

Shōtoku foi apontado como regente (Sesshō) em 593 pela Imperatriz Suiko, sua tia. Inspirado pelos ensinamentos de Buda, ele conseguiu estabelecer um governo centralizado durante seu reino. A ele é atribuída a “Constituição em Dezessete Artigos do Japão”.

Budista fervoroso, atribui-se a ele a autoria do Sangyō Gisho ou “Comentários Anotados sobre os Três Sutras” (o Sutra do Lótus, Sutra Vimalakirti e sutra Śrīmālādevī Siṃhanāda. O primeiro deles é comumente datado em 615, tornando-o o primeiro texto japonês e, por consequência tornando Shōtoku o primeiro escritor do país.

Uma lenda diz que quando Bodhidharma foi ao Japão, ele conheceu o príncipe Shōtoku estando disfarçado de um mendigo faminto. O príncipe então pediu que o mendigo se identificasse, mas o homem não respondeu. Ao invés de simplesmente ignorar e seguir seu caminho, Shōtoku deu-lhe comida, bebida e o cobriu com seu manto púrpura, dizendo-lhe para "mentir em paz" e cantou-lhe uma canção.

Shotoku Taishi, por Kogan Zenji

No segundo dia de visita, o príncipe mandou um mensageiro ao mendigo, mas ele já estava morto. O príncipe ficou devastado com a notícia e ordenou o funeral do homem. Shōtoku depois concluiu que aquele não era um homem qualquer e mandou outro mensageiro, que constatou que o túmulo não havia sido mexido. Ao abrirem a sepultura, não havia corpo lá dentro, apenas o mando púrpura do príncipe estava dentro do caixão. Shōtoku usaria o manto como sempre usara antes, sem se abalar pela experiência. Abismado o povo idolatrada o príncipe, dizendo que um sábio reconhece outro sábio. A lenda está ligada ao tempo de Daruma-dera, em Ōji, próximo a Nara.

Príncipe Shōtoku fundou o templo Shitennō-ji, na Província de Settsu, hoje Osaka, após uma campanha militar bem sucedida contra o poderoso clã Mononobe. O templo de Hōryū-ji, na província de Yamato, também está ligado ao seu nome, bem como vários templos da região de Kansai. Hōryū-ji teria sido fundado pelo príncipe e pela imperatriz Suiko, em 607. Escavações arqueológicas em 1939 confirmaram que o palácio de Shōtoku, o Ikaruga no miya (斑鳩宮), localizava-se na parte leste do atual complexo do templo, onde o Tō-in (東院) hoje se encontra.

Normalmente atribui-se a Shōtoku a fundação do budismo japonês, mas também lhe é atribuído um profundo respeito ao xintoísmo (em japonês: 神道, Shintō) e que ele nunca visitava um templo budista sem antes visitar templos xintoístas.

Além disso, ele era considerado extremamente inteligente, falando com mais de dez pessoas ao mesmo tempo. Atribui-se a ele, também, a introdução dos caracteres chineses (kanji) na escrita do Japão.

Em uma de suas correspondências com o imperador chinês Sui Yangdi está registrado pela primeira vez o nome pelo qual o arquipélago japonês era chamado, Nihon.

Acredita-se que Shōtoku esteja enterrado em Shinaga, na província de Kawachi, hoje sob administração de Osaka.

Nota de 100 ienes de 1946, com a figura de Shōtoku Taishi

A CONSTITUIÇÃO DE DEZESSETE ARTIGOS

O texto da Ordenação dos Dezessete Artigos se encontra no 22º rolo do Nippon-Shoki, que trata do reinado da Imperatriz Suiko, durante o qual o Príncipe Shōtoku assumiu o governo como Sesshō (Regente), associado à Soga no Umako, o líder do poderoso clã dos Soga. Segundo o Nippon-Shoki, o Príncipe promulgou sua "Ordenação" no 4º mês do ano 604, poucos meses após sua tentativa de criar uma hierarquia burocrática copiada da chinesa. Vários historiadores colocam em dúvida a autenticidade do texto da "Ordenação", argumentando que como ele cita cargos e instituições que só surgiram no Japão após a Reforma de Taika,  não passa de um documento forjado no todo ou em partes pelos redatores do Nippon-Shoki. Outros historiadores, como o Prof. Mitsusada lnoue, argumentam que isso não basta para se colocar em dúvida a autenticidade do texto, pois pode muito bem ter acontecido que, inspirando-se no direito e nas instituições chinesas, o Príncipe tenha idealizado tais cargos e instituições que só foram realmente concretizados mais tarde. Para o nosso propósito, a autenticidade ou não do texto é irrelevante, pois pretendemos apenas apresentar um documento que exponha a ideologia subjacente ao processo de centralização da monarquia japonesa nos quadros do MPA.

O Prof. Hajime Nakamura, em seu estudo introdutório à seleção de texto do Príncipe Shōtoku, publicada pela Editora Chuō-Kō-Ron, realça as influências budistas no texto da "Ordenação", comparando a mesma às leis de outros soberanos budistas da Ásia Oriental, como os Éditos do Imperador Asoka e a Ordenação de Dezesseis Artigos do rei tibetano Song-tsen Gampo. Sem negar a profunda influência do budismo, devemos insistir na marcante influência da ideologia ético-burocrática do confucionismo. Cumpre notar também que muito mais do que um código de leis dirigido a toda a população, a "Ordenação" representa uma espécie de estatuto ou código de ética a ser obedecido pelos burocratas da nascente monarquia centralizada nipônica.

Assim, a ênfase na ideia de harmonia, que aparece nos artigos 1º e 15º e com a qual o Príncipe parece querer apaziguar os conflitos entre os clãs e a Coroa ou as tensões que lançam os clãs um contra os outros, pode ser considerada uma influência budista. O entusiasmo do Príncipe pelo budismo, que o levou a construir templos e a fazer ele próprio pregações na Corte, está também bastante evidente no artigo 2º, em que ele apresenta uma exortação à veneração das Três Joias do Budismo: o Buda (Mestre), o Dharma (Doutrina) e o Sangha (Comunidade de Adeptos). Budistas também são as ideias sobre a imperfeição da natureza humana expostas no artigo 10º e a exortação à tomada de decisões importantes que encontramos no artigo 17º, que nos parece ser uma transposição para o plano político do ideal democrático das instituições monásticas budistas. Nos demais artigos, parece-nos que predomina a influência confuciana, como o retrato do soberano que aparece no artigo 3º, verdadeiro kosmokrator que preside tanto as leis da sociedade humana como as da natureza, e a ênfase na etiqueta que se encontra no artigo 4º. Igualmente confucianas são as preleções de natureza ética que se encontram nos demais artigos.

O estudioso de questões socioeconômicas examinará com particular interesse o artigo 12º, que se refere à regulamentação da política tributária, e o artigo 16º, que procura regulamentar as corveias. Percebe-se aí o caráter fisiocrático próprio da economia política confuciana, que vê na agricultura a principal fonte de riqueza para o Estado. Testemunham esses dois artigos os primeiros esforços no sentido da estatização da economia que foi tentada posteriormente com a Reforma de Taika.

É significativo o fato do texto em nenhum momento mencionar escravos ou escravidão, mas apenas a mobilização temporária de agricultores para corveias, o que caracteriza também o Édito da Reforma de Taika e os códigos promulgados posteriormente à mesma. As atividades produtivas na formação social nipônica antiga não são exercidas por escravos, mas sim por comunidades de camponeses e artesãos enquadradas de início pelos clãs aristocráticos e posteriormente pela monarquia centralizada através da burocracia que a serve. Essa é a principal razão que nos leva a classificar a formação social japonesa antiga como fundamentada no MPA e não no Modo de Produção Escravista, como querem alguns historiadores influenciados pelo estalinismo, como Shô Ishimoda, Goro Hani e outros.

A tradução da Ordenação dos Dezessete Artigos que apresentamos abaixo foi feita a partir do texto editado pelo Prof. Hajime Nakamura na seleção de textos do Príncipe Shōtoku acima mencionada. Consultamos também a tradução em japonês moderno que consta da seleção de textos do Nippon-Shoki lançada também pela editora Chuō-Kō-Ron, sob a responsabilidade do Prof. Mitsusada Inoue.

Artigo 1º — Deveis respeitar a harmonia e ter por princípio não conflitar. Os homens formam grupos, mas poucos são os que chegaram à compreensão da verdade. Assim, alguns não obedecem ao soberano ou ao pai, ao passo que outros divergem dos que lhes são próximos. Entretanto, caso os superiores tiverem brandura e os inferiores harmonia ao discutir uma questão, as coisas se encaminharão razoavelmente por si mesmas e nada haverá que não possa ser realizado.

Artigo 2º — Deveis venerar as Três Joias. As Três Joias são o Buda, o Dharma e o Sangha. São elas o centro da veneração de todos os seres viventes, o Princípio regedor de todas as nações. Em nenhuma época encontraremos pessoas que não as venerem. Poucos são os homens verdadeiramente maus. Todos hão de compreender, caso sejam bem ensinados. Como poderemos corrigir o errado, a não ser através das Três Joias?

Artigo 3º — Se receberdes uma ordem imperial, tratai de cumpri-la. O Soberano é o Céu e o súdito é a Terra. O Céu cobre e a Terra sustenta. Assim, as quatro estações se sucedem regularmente e todos os fluidos podem circular. Se a Terra tentasse cobrir o Céu, essa ordem seria arruinada. Assim, quando o soberano fala o súdito ouve e quando o superior age, o inferior obedece. Portanto, ao receberdes uma ordem imperial, certamente devereis obedecê-la. Caso não obedecerdes, provocareis vossa própria ruína.

Artigo 4º — Que os ministros e funcionários tomem a etiqueta por princípio. O fundamento do governo do povo está com certeza na etiqueta. Quando o superior não observa a etiqueta, o inferior não se mantém em ordem. Quando o inferior não observa a etiqueta, certamente são cometidas faltas. Assim, se os ministros obedecem à etiqueta, a ordem hierárquica não é quebrada e se o povo obedece à etiqueta o estado se governa por si mesmo.

Artigo 5º — Deveis renunciar aos desejos de requintes culinários, abandonar as ambições por bens materiais e julgar as causas de maneira clara. O povo apresenta mil queixas por dia. Se tão elevado é seu número em um dia, muito maior será ele ao se passarem os anos. Ultimamente aqueles que se encarregam das causas têm constantemente obtido vantagens pessoais e recebido suborno para ouvir as queixas. Assim, as causas dos ricos são ouvidas como pedras lançadas n'água; já a causa dos pobres são repelidas como água jogada nas pedras. Assim, os pobres não sabem o que fazer e o dever a ser cumprido pelos súditos também é perdido de vista.

Desenho do Príncipe Shotoku em frente ao pavilhão Yumedono, do Templo Horyu-ji

Artigo 6º — Uma excelente lei antiga é a de castigar o mal e encorajar o bem. Assim, quando verdes o bem nas pessoas não devereis escondê-lo, e quando verdes o mal, certamente devereis corrigi-lo. Os que usam da lisonja e do insulto são instrumentos contundentes que desorganizam o Estado. São espadas aguçadas que ceifam o povo. Os lisonjeadores costumam delatar aos superiores os erros dos inferiores e censurar as faltas dos superiores junto aos inferiores. Tais pessoas não nutrem fidelidade para com o soberano, nem benevolência para com o povo. Isso é causa de grandes desordens.

Artigo 7º — Cada pessoa tem suas responsabilidades. Deve desempenhá-las a contento, sem desregramentos. Quando um sábio ocupa um cargo, imediatamente erguem-se vozes de louvor. Quando um perverso é investido de uma função, eclodem imediatamente os desastres e as perturbações. Poucos são os sábios de nascimento, mas aqueles que refletem bastante tornam-se homens santos. Tanto as coisas grandes como as pequenas só são organizadas quando há pessoas que se responsabilizam. Quer a longo prazo quer em pouco tempo as coisas só se realizam plenamente quando há o encontro com pessoas sábias. Dessa forma o Estado se manterá permanente e o país não será sujeito a perigos. Por isso os soberanos santos do passado buscavam as pessoas adequadas, para ocupar os postos, ao invés de criar cargos para beneficiar pessoas.

Artigo 8º — Os governadores e funcionários devem comparecer cedo ao trabalho e retirarem-se tarde. Os assuntos públicos não podem ser negligenciados; dificilmente podem ser solucionados mesmo durante um dia inteiro. Assim, aquele que comparece tarde ao trabalho não resolve os assuntos com a necessária rapidez e aquele que se retira cedo deixa coisas por fazer.

Artigo 9º — A sinceridade é a fonte de toda a justiça. Deveis ter sinceridade em todas as coisas. O bem ou o mal nas coisas, a realização ou o fracasso, certamente dependem da sinceridade. Quando os ministros têm sinceridade, não há coisa que não possa ser realizada. Quando os ministros não têm sinceridade, todas as coisas fracassam.

Artigo 10º — Deveis eliminar a cólera do coração e deixar de revelar cólera no semblante. Não deveis ter cólera pelo fato das pessoas serem diferentes. Todas as pessoas têm uma mente. Cada mente tem seus apegos. Aquilo que eu acho bom o outro pode achar ruim. Nem meu coração é o de um santo nem o do outro será o de um tolo. Todos somos simplesmente homens profanos. Quem poderá discernir perfeitamente o que é certo e o que é errado? As pessoas são ao mesmo tempo sábias e ignorantes, tais como brincos circulares sem borda. Assim, quando o outro se encolerizar, deveremos refletir se não haverá erro de nossa parte. Ainda que eu esteja certo do que estou fazendo, deverei respeitar a opinião dos demais, e me conformar com sua maneira de agir.

Artigo 11º — Deveis discernir com clareza os méritos e as faltas dos funcionários, conferindo-lhes os prêmios ou as penalidades correspondentes. Ultimamente pessoas destituídas de méritos têm recebido prêmios, e penalidades têm sido aplicadas a pessoas inocentes. Os dignitários responsáveis pela administração devem ministrar prêmios e penalidade de maneira clara e justa.

Artigo 12º — Os governadores e prefeitos não deverão arrecadar impostos do povo de maneira arbitrária. O Estado não pode ter dois soberanos e o povo não pode ter dois senhores. Todo o povo deste país tem por senhor o Imperador. Todos os funcionários encarregados da administração são súditos imperiais. Como poderão arrecadar do povo impostos além dos institucionalizados?

Artigo 13º — Os funcionários nomeados para os diversos postos deverão conhecer bem suas funções. Eventualmente poderão ser forçados a se afastar de seus deveres por doença ou viagens. Entretanto, uma vez empossados, deverão se adaptar a suas funções como se já fossem veteranos. Que não perturbem o andamento dos negócios públicos alegando que determinada coisa não é de sua competência.

Artigo 14º — Súditos e funcionários não devem ter inveja. Se eu tenho inveja de alguém, alguém há de ter inveja de mim. As preocupações provocadas pela inveja não têm limites. Assim, não nos alegramos quando alguém nos ex¬cede em sabedoria e invejamos que nos suplanta em engenho. Assim, é difícil encontrar um homem sábio que surge a cada 500 anos ou aguardar um santo que se manifesta a cada mil anos. Mas como o país poderá ser administrado sem homens sábios e santos?

Artigo 15º — O dever do súdito é deixar de lado as coisas particulares e se aplicar às coisas públicas. Aquele que se prende a interesses particulares certamente provoca ressentimentos. Quando existem ressentimentos, as pessoas não se harmonizam. Quando não há harmonia, os assuntos públicos são perturbados por interesses particulares. Quando o ressentimento se manifesta, as instituições são desobedecidas e as leis são infringidas. Por isso foi dito no Artigo 1º, com a mesma intenção, que superiores e inferiores devem se harmonizar.

Artigo 16º — Um bom costume que vem dos tempos antigos é o de conceder tempo ao povo ao mobilizá-lo para corveias. Assim, se houver tempo, o povo deve ser convocado nos meses de inverno. O período que vai da primavera ao outono é dedicado à agricultura e à criação do bicho-da-seda; o povo não deve ser convocado nessa época. O que comer, se não houver agricultura? O que vestir, se não houver seda?

Artigo 17º — Ninguém deve resolver nenhum assunto sozinho; os problemas devem ser discutidos em grupo. As pequenas coisas, sendo de pouca importância, não necessitam ser discutidas em grupo; entretanto, quando grandes coisas são discutidas, pode haver suspeita de engano. Assim, se elas forem discutidas em grupo, poder-se-á encontrar a maneira correta de resolvê-las.

Leia aqui o Ensinamento do Mestre Jinsai no qual Ele diz ser a reencarnação do Príncipe Shotoku!

Veja aqui a obra de arte Príncipe Shotoku aos dois anos de idade!

Conheça aqui o Templo Horyu-ji com seu Kyusei Kannon, o Kannon da Salvação do Mundo!

Veja aqui o Ensinamento sobre a relação entre o Senju Kannon, o Príncipe Shotoku e a Imperatriz Koomyo!

 
 

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *