Há muita gente interessada em saber qual é a relação entre Kannon e eu. É o que passarei a explicar.
Comecei a frequentar a seita Oomoto em 1918, mas, devido a certas circunstâncias, afastei-me durante um período de quatro ou cinco anos.
Em 1923 retornei. Cerca de seis meses mais tarde, fui procurado por um topógrafo. Ele queria informações sobre a doutrina Oomoto que, na época, se expandia rapidamente. Em meio à conversa, olhando fixamente para o meu rosto, ele me perguntou: “A doutrina Oomoto tem alguma ligação com Kannon?“
“Não – respondi – porque a doutrina Oomoto é xintoísta e Kannon é Boddhisatwa; portanto, não existe nenhuma ligação“.
“Mas à sua direita estou vendo Kannon em tamanho natural“, insistiu ele. Isto significa que, naquele momento, a sua visão espiritual se abriu.
Há pessoas que além dos cinco sentidos, possuem dons espirituais e recebem inspiração. Essas pessoas são videntes e enxergam espíritos no Mundo Espiritual. Era o caso do topógrafo que me visitava. Ele possuía a faculdade de vidência e viu Kannon.
“Há pouco – prosseguiu ele – quando o senhor se levantou para ir ao banheiro, Kannon foi atrás. E quando o senhor voltou e se sentou, Kannon, no mesmo instante, também se sentou“.
Quando lhe pedi mais detalhes sobre Kannon, ele respondeu: “Kannon está de olhos fechados. Seu rosto e seu corpo são exatamente iguais aos dos desenhos ou esculturas“.
A partir de então, sempre que ele pensava em vir à minha casa, Kannon aparecia repentinamente diante de seus olhos.
Quando ele me contou esses fatos, fiquei intrigado, porque até então eu jamais havia pensado em me devotar a Kannon. Mas depois desses eventos, comecei a achar que eu tinha alguma ligação com Kannon. E então começaram a ocorrer coisas misteriosas.
Um dia, um dos membros da seita Oomoto me disse que via uma espécie de remoinho acima da minha cabeça, no centro do qual estava Kannon. E nas costas de Kannon havia uma cruz. No momento não entendi o significado dessa visão. Mas logo depois fui vítima de uma grande perseguição religiosa, o que me causou profundos sofrimentos. Entendi então o que significava a vidência: eu fora colocado no meio do remoinho e tivera de carregar a cruz.
Cerca de três meses mais tarde, várias divindades – deuses e budas – começaram a manifestar-se por meu intermédio, entre eles o Deus Izunome, que é a essência de Kannon. E Izunome anunciou-me a minha missão: meu corpo físico seria usado por Kannon para a grandiosa tarefa de salvação da humanidade.
Izunome acrescentou que 2.600 anos atrás, na época em que Sakyamuni nasceu, Kannon morou na montanha de Hodaraka, na Índia, onde ensinou o caminho da salvação como Kanjizai Bossatsu.
Tudo isto é extremamente interessante e será esclarecido por mim quando chegar o devido tempo.
Agora vou relatar um fato interessante sobre Kinryuzin, o Dragão Dourado, que é o protetor de Kanzeon Bossatsu.
Jamais esquecerei esse fato, ocorrido em abril de 1929, quando eu ainda era fervoroso adepto da doutrina Oomoto.
Não tenho certeza da data exata, penso que foi no dia 19 de abril, quando a seita Oomoto celebrava o seu grande festival da primavera. O líder espiritual da Oomoto, Onissaburo Deguchi, ia oficiar um culto no templo xintoísta da localidade onde nasceu o fundador da Oomoto, e eu ia participar do culto. Entre a cidade de Kameoka e o templo havia uma distância de aproximadamente 8 quilômetros, que percorri de automóvel, juntamente com um membro da seita Oomoto que tinha um nome interessante: Kamimori (que significa “protegido de Deus”). No momento da partida, a esposa de um deputado federal, o Sr. Shiga, que acabara de chegar do Estado de Saytama (ao norte de Tóquio), pediu carona para ela e o marido.
O carro partiu e eu pensei: “Há algo estranho no nome Shiga. A lagoa Shiga também é chamada de Lagoa Biwa. Deve haver alguma relação entre o lago Shiga e o culto de hoje.”
Depois do culto, Mestre Deguchi dirigiu-se imediatamente para a lagoa Shiga, à beira da qual havia, naquela época, um famoso restaurante cujo nome esqueci, de propriedade de um adepto da Oomoto. No dia seguinte, dia 20, Deguchi, antes de voltar para a sua casa, escreveu quatro ideogramas no restaurante: “A água da lagoa se enfurece e sobe até o céu“.
No dia 21, uma forte tempestade desabou misteriosamente sobre a lagoa Biwa, chegando a afundar 47 barcos pesqueiros. O fato foi noticiado pelos jornais da época.
Segundo a revelação que recebi, a causa da tempestade foi a seguinte:
O Dragão Dourado, que é protetor de Kanzeon Bossatsu, estava mergulhado há milhares de anos no fundo dessa lagoa. No momento em que o Dragão Dourado ia subir para o céu, o Dragão Vermelho (a Bíblia diz que Satanás é o Dragão Vermelho), que estava aguardando a sua emersão das águas, veio voando para derrubar o Dragão Dourado. Sobre a lagoa foi travada uma grande batalha, até a vitória do Dragão Dourado e a derrota do Dragão Vermelho, que fugiu para o norte. Foi essa batalha que causou a tempestade e o vendaval.
Um mês mais tarde, por volta do meio-dia, desabou um vendaval em Tóquio, onde eu morava na época e, a partir daquele momento, o Dragão Dourado tornou-se o meu protetor.
Três meses mais tarde, na primavera de 1932, um jovem que eu não conhecia, adepto da doutrina Oomoto, me procurou acusando-me de estar causando grandes problemas no interior da seita.
“O senhor está fazendo Ohika (talismãs) – a coisa mais importante dentro da Oomoto – e distribuindo-os aos membros“, gritou ele. “Isto é uma profanação. Não posso deixar vivo o autor de tamanha heresia. Em nome da Oomoto, se o senhor não parar de fazer Ohikari, eu vou matá-lo. Sacrifico a minha vida, mas tiro a sua vida“. Ao proferir estas palavras, sacou uma pequena espada do bolso e a cravou no tatami.
Seu rosto e seu pescoço estavam tão vermelhos, que ele não parecia uma pessoa normal. Os olhos estavam vermelhos, injetados, e faiscavam. Naquele momento, tive a intuição de que o Dragão Vermelho se havia encostado no jovem e viera para me destruir. Assim, o Dragão Vermelho, usando um ser humano, viera desafiar o Dragão Dourado.
Decidi então que não me deixaria derrotar por Satã. Eu havia sido autorizado a fazer Ohikari pelo próprio mestre Deguchi e me recusei terminantemente a atender à exigência dele.
De repente, no momento em que estava prestes a cometer o assassínio, a cor de seu rosto mudou. Ele se agachou e começou a gemer agoniado. Perguntei-lhe o que estava sentindo e ele respondeu que sentia uma dor de barriga insuportável.
“Fique deitado, vou curá-lo“, disse eu. Comecei a ministrar Johrei e ele melhorou imediatamente.
Depois disso, sua atitude mudou completamente. Acalmou-se e me pediu que o acompanhasse, no dia seguinte, à sede da Oomoto em Kameoka, Kyoto, para falar com Mestre Deguchi. E quando finalmente nos encontramos com Mestre Deguchi, este falou: “Eu mesmo não posso fazer Ohikari. Isto só foi permitido por Deus à minha filha, que será a terceira líder. Naturalmente, os membros não podem fazê-los. Mas Okada San (Meishu Sama) é uma pessoa especial. Procure, porém, não aparecer muito“.
Vendo assim confirmado o que eu lhe dissera, o jovem se convenceu e a questão foi encerrada.
05 de outubro de 1949