EU E O CINEMA

Constitui fato muito bem sabido entre os fiéis o meu gosto pelo cinema. Ainda hoje procuro assistir a filmes um dia sim, um dia não. Assim, passarei a escrever a história, desde o início, de como me aficcionei pelo cinema. A primeira vez em que assisti a uma fita cinematográfica (a que na época davam o nome de fotografias animadas) contava com meus quinze ou dezesseis anos. Havia, então, no sexto distrito do Parque de Asakusa um prédio de nome Denki-Kan, provavelmente o primeiro cinema de Tóquio. Nem é preciso dizer que me assustei com o fato de as fotos se movimentarem. As ondas se moviam, um cachorro aparecia a correr, o povo caminhava pela rua! Fiquei simplesmente abismado com aquilo. “Que coisa misteriosa e interessante que inventaram!” – pensei comigo. Como morava em Asakusa na época, sempre que tinha tempo ia ver películas. Entrementes, o conteúdo destas foi evoluindo da pura e simples retratação de fatos para a sua dramatização. Simultaneamente, o prédio chamado Kinki-Kan – uma espécie de clube, um auditório público dos dias de hoje sito em Nishiki-cho, no distrito de Kanda – passou a abrigar o único cinema da região. Na época, o filme O Demônio Aloprado – uma obra da companhia cinematográfica francesa Pathé, creio – era muito interessante e comentada, lotando o cinema por dias e dias a fio. A especialidade da Pathé eram filmes de atualidades, dramas e filmes infantis, voltadas para o público em geral. Já as películas italianas, em sua grande parte, eram obras longas de cunho histórico, aparecendo mais raramente uma ou outra comédia.

Nesse meio tempo, o cine Denki-Kan, do Parque de Asakusa, ganhava mais e mais popularidade, chegando-se ao ponto de “Denki-Kan” passar a ser sinônimo de cinema. Antigamente, como o cinema era uma novidade, as casas ficavam lotadas dias e dias seguidos, e, por serem minúsculas, diferentemente das de hoje, era um sacrifício assistir aos filmes. Entrementes, o cinema em si progredia a grande velocidade, com fitas cada vez mais longas, surgindo obras interessantes. Naturalmente as películas eram mudas, influenciando grandemente nelas a perícia ou a imperícia do narrador. Lembro-me de que, na época, o famoso Saburo Somei era bastante conceituado, sendo que pouco depois o hoje conhecido Roppa Furukawa passou a atuar como seu assistente. Posteriormente, nas proximidades, apareceu a casa San-yu-Kan. Aqui exibiam-se películas cinematográficas e o chamado kineorama (1) – algo como um panorama móvel. Por meio de cores e eletricidade, criavam-se efeitos que reproduziam com perfeição os fenômenos naturais, como borrascas e trovões. Por causa disso, teve enorme aceitação entre o público, por algum tempo. Depois disso, surgiram seguidamente mais casas de exibição: Fuji-Kan, Daisho-Kan, Opera-Kan, Teikoku-Kan, Nihon-Kan e outras. Na época, foram grande sucesso de bilheteria os filmes Zigomar, Meikin, Pegaso, etc. Foi a partir de então que começaram a entrar produções americanas. Até aí, o que havia era quase que exclusivamente fitas francesas, alemãs e italianas. Na primeira vez em que assisti a um filme norte-americano, não me cansei de admirar o vigor da representação dos artistas, o tamanho dos cenários; a rapidez do tempo, etc. Isso proporcionou àquelas obras súbita popularidade. Não é de se estranhar que o cinema norte-americano tenha seduzido o público, visto que os filmes em voga, como agora, eram os de faroeste e, ainda por cima, seriados. Um faroeste que teve muito sucesso na época era um em que um dos figurantes se chamava Lolo, um tipo miúdo parecido com um japonês. Dava gosto ver sua agilidade e leveza. Por isso, cinema era sinônimo de filme americano, como acontece até hoje.

Enquanto isso, nascia a comédia típica dos Estados Unidos, angariando popularidade de todos os lados. Foi quando também surgiram Chaplin, Lloyd e Keeton, atores amados pelo público. Verdade é que bem antes disso havia no cinema italiano o comediante chamado O Novo Rei dos Patetas (Andrew), um homem diminuto. Também ele abafou por algum tempo e os antigos devem conhecê-lo. Nessa mesma época, também, apareciam de tempos em tempos obras norte-americanas de longa duração que deslumbravam os aficionados. Dentre elas, lembro ainda hoje de uma obra-prima do mestre Griffith. Fita particularmente longa – já não me recordo mais do seu título – descrevia a evolução da civilização das eras primitivas até a atualidade. O mundo inteiro vibrou com ela. Quanto às fitas italianas, a maioria era produzida pela companhia Milano. As Cruzadas, O Imperador Nero, Quo Vadis: havia obras de grande porte. Na mesma época as grandes companhias cinematográficas americanas eram a Paramount, a Fox (2), a Metro (3), a Universal e outras. Mesmo hoje não consigo esquecer da Blue Bird, pequena empresa coligada à Universal. Suas obras, ao contrário daquelas agitadas que dominavam o público, eram extraordinariamente calmas. Colocavam-se numa linha idêntica à de Ibsen, que com seu aparecimento provocou uma reviravolta de cento e oitenta graus na literatura romântica europeia: de altíssimo valor cultural, desprovidas de artifícios baratos, com temas que primavam pela seriedade. Tinham, portanto, um sabor único que me levavam a jamais perdê-las. As fitas da Brewbird eram exibidas exclusivamente em duas ou três casas de cinema: no Konparu-Kan (cujo narrador era Tenrei Takita), de Shimbashi, e no Aoi-Kan (idem, Musei Tokugawa), em Akasaka. Faziam sensação entre os fãs.

Mas retornando ao que relatei há pouco: as casas de cinemas, que no princípio se restringiam ao Parque de Asakusa, começaram a se espalhar por várias regiões da cidade e, especialmente depois do grande terremoto da Região Oriental, apareceram por todos os cantos. Ademais, o cinema japonês, que durante muito tempo só visava ao público infantil, passou, finalmente, a produzir obras para adultos. No início, nos tempos de Matsunosuke Onoe, eu não sentia a mínima vontade de ver filmes nacionais. Contudo, eu passei a assisti-los, há uns dez e tantos anos, após ver Kazuo Hasegawa, cujo nome artístico na época era Tyojiro Hayashi, interpretar Sakasaki, o Senhor de Dewa, em A Batalha de Verão, da companhia Shochiku. Esta obra, em vista de seu grande esquema e demais pontos, não fica a dever aos filmes ocidentais, fato que me assustou. Foi a oportunidade para que eu acabasse por me tornar, a partir de então, fã do cinema japonês. O resto, no que tange aos fatos mais recentes, como todos estão por dentro, terminarei meu relato.

Todavia, pretendo pôr no papel algo que sinto em relação ao cinema nacional hodierno. Diversamente dos tempos idos, o cinema japonês progrediu bastante. Contudo, – para falar francamente – resta uma faceta extremamente negativa. Quero admoestar com ênfase esse ponto. Resumindo, em primeiro lugar, trata-se da inferioridade do seu nível. Ouve-se dizer frequentemente que não se investe dinheiro nos filmes japoneses, por isso não se produzem fitas boas como as estrangeiras. Esta desculpa vem a ser um erro gravíssimo. Afirmo isso com base no fato de o cinema italiano, que recentemente passou a gozar de enorme reputação, com certeza gastar muito menos que o japonês. Tamanha reputação deve-se à existência, em algum lugar, de uma coisa que fascine tremendamente. Que seria isso? Trata-se, sem dúvida, da seriedade dos temas, inexiste qualquer artifício barato para comprar aplausos. Jamais se subestima o público. Resumindo, evita-se o caráter de espetáculo do cinema para descrever com fidelidade o ser humano, para descrever o gemido que brota do sofrimento social. Outrossim, é profunda ao extremo a sua acuidade na avaliação da dor humana, o que faz com que, terminada a apreciação de uma película, nosso peito seja assaltado pelos mais variados sentimentos.

Em comparação, nem vale a pena discutir o cinema japonês, tamanha sua infantilidade. Somente busca o efeito do espetáculo, visando demasiadamente ao lucro. O que não se percebe, porém, é que o resultado vem a ser inverso. Prova evidente é o vultoso número de fãs seduzidos pelos filmes estrangeiros, deixando o ingênuo cinema nacional de lado. Chamo, portanto, a atenção dos produtores e diretores de cinema para que mudem radicalmente, o mais rápido possível, a sua maneira de pensar. Falando sucintamente, há que elevar o nível global. Há que produzir obras que penetrem a alma do público. O espectador deve ficar amarrado à poltrona até o fim da película.

(1) Kineorama: referência a cinerama.

(2) Fox: referência à companhia Twenty Century Fox.

(3) Metro: referência à companhia MGM (Metro-Goldwyn-Mayer)

Eu – texto inédito

1952