Por muitas vezes, eu já tenho explicado que a deidade Kanzeon Bossatsu não é outra senão o deus Izunome-no-Ookami. A respeito desse problema, é necessária a compreensão da natureza fundamental do Corpo Búdico. Falamos comumente em Buda, mas, na verdade, essa palavra designa duas realidades diferentes: o Corpo Búdico original e as emanações do mesmo em forma de deuses.
O Buda se originou há mais de 2.600 anos atrás, nos tempos de Sakyamuni. Até aquela época, a Índia de hoje era chamada País de Yueh-che, ou Gueshi-koku (月氏国 – País do Senhor da Lua). Nesse país, desde uma época bastante remota, prosperava o chamado Bramanismo. Esse Bramanismo não propunha nenhuma doutrina especial, apenas procurava captar a Verdade Cósmica através da prática de penosas austeridades físicas. Ainda nos dias de hoje, temos uma série de representações de Arahats (Rakan), na pintura e na escultura, que mostram essas austeridades. Como mostram essas representações, temos casos como o do famoso Mestre Zen Torissu (Ninho de Pássaro), que por muitos anos viveu meditando no alto de uma árvore, sentado numa armação semelhante a um ninho de pássaro. Também temos exemplos de ascetas que passavam anos imóveis, segurando na mão uma miniatura de pagode, em posição de Zazen (meditação profunda, na posição sentada com as pernas cruzadas). Assim, todos eles apresentam um aspecto estranho, mesmo quando de mãos postas em postura de oração ou praticando Zazen. Não há quem não sinta uma sensação de estranheza ao dar uma olhada nessas representações. Há casos terríveis de ascetas que espetam uma porção de pregos numa tábua e sentam-se sobre os mesmos em postura de meditação. As pontas dos pregos abrem furos nas nádegas, provocando corrimento de sangue e uma dor além de qualquer definição. Entretanto, suportá-la era considerado uma prática ascética, coisa que hoje em dia está além da imaginação.
O famoso Mestre Daruma Daishi (Bodhidarma, ou Dharma) também passou nove anos praticando o Zazen diante de uma parede. Trata-se de uma austeridade ascética realmente extraordinária. Quero apresentar aqui uma teoria a respeito desse mestre Dharma. Além do mestre indiano acima citado, viveu, na China, há 1.200 ou 1.300 anos atrás, um mestre com o mesmo nome. É frequente a confusão entre essas duas personalidades. O Dharma chinês esteve no Japão na época do Príncipe Regente Shotoku (574 – 622 d.C.) e eu tive ocasião de ouvir relatos, dignos de fé, que atestam que ele foi recebido numa audiência pelo Príncipe.
Voltemos ao nosso assunto. Por que os ascetas do bramanismo entregavam-se a tamanhas austeridades? Nessa época, os que buscavam a realização espiritual consideravam essas penosas austeridades como um método para se conhecer a Verdade Cósmica. É algo semelhante ao esforço com que certas pessoas dedicam-se hoje ao treinamento no campo da ciência para conseguir o grau de doutor e determinados postos honrosos. A respeito de Daruma Daishi, temos mais uma história interessante. Durante uma noite do nono ano de suas meditações diante da parede, ele olhou para o céu e viu a lua cheia. A luz da lua pareceu iluminar profundamente o interior de seu peito e, no instante em que ele assim sentiu, alcançou o Insuperável e a Suprema Iluminação. Sua alegria atingiu então o limite máximo. Depois disso, o Mestre Daruma, agindo à altura de quem conseguiu a Contemplação do Real, dava respostas sábias às mais difíceis questões, e diz a tradição que ele se destacou como o maior asceta do seu tempo, sendo alvo da veneração de muitas pessoas.
Na Índia dessa época, o deus que era mais venerado peIo povo, assim como no Japão se venera a Deusa Amaterassu Ookami, era o deus Daijizai-ten-shin. Além desse, temos outros, como Daikoomoku-ten e Taishaku-ten. Podemos ver que a maior parte deles aparece na mandala da Escola de Nichiren. O importante é que realmente a influência do bramanismo era dominante na sociedade. Entretanto, nessa época surgiu subitamente a figura do Tathagata Sakyamuni. Explicarei mais adiante todas as circunstâncias, limitando-me agora a dizer que ele era um Príncipe Herdeiro de nome Siddharta e que, depois de um período de ascese, tornou-se um Grande Iluminado. O Príncipe compreendeu toda a verdade a respeito do mundo fenomênico e seu coração foi tomado por uma grande compaixão ardente que o levou a formular o voto original de dedicar-se à salvação de todos os seres viventes. O método que ele divulgou ao mundo consiste na leitura de Escrituras Sagradas (sutras) com o objetivo de alcançar a Iluminação Espiritual. Ele pregou isso amplamente às multidões, provocando naturalmente uma grande sensação na sociedade de seu tempo. Não é de se estranhar que todos tenham se alegrado, já que, até aquele momento, as penosas austeridades bramânicas eram o único caminho de realização disponível. Surgia agora a leitura das Escrituras como uma prática ascética suave, que vinha para substituir aquelas penosas austeridades. Isso fez com que as multidões celebrassem as virtudes do Senhor Buda e que a cada dia crescesse o número de devotos que ingressavam no Budismo. Não é de se estranhar, então, que o Senhor Buda acabasse sendo celebrizado como o Grande Salvador do povo da Índia. Assim, converteu ele toda a Índia à Lei de Buda. Tal é a origem do budismo. É claro que depois de seu tempo a influência do bramanismo foi progressivamente declinando na Índia. Isso não significa, porém, que ele tenha desaparecido completamente. Ainda hoje subsiste uma parte do mesmo e seus ascetas alegam poder manifestar os milagres dos deuses. Dentre os sábios ingleses, muitos são os que se dirigem à Índia para pesquisar esse assunto, e tive ocasião de ler alguns relatos anos atrás. Ainda me lembro de que deles constava a descrição de milagres maravilhosos.