Todos aqueles que me conhecem sabem do meu gosto pelo cinema. Jamais me esquecerei: a primeira vez a que assisti a um filme foi quando tinha dezesseis ou dezessete anos, ou seja, há uns cinquenta anos. Digamos que eu seja um dos seus mais antigos fãs. Foi nessa época em que, pela primeira vez, uma película cinematográfica entrou no Japão. Nem é preciso dizer que se tratava de uma peça de um único rolo que mostrava o movimento de ondas, um cachorro que se punha a correr, gestos de pessoas, etc. Algo extremamente infantil, visto sob a perspectiva de agora. Mesmo assim, todos arregalaram os olhos de espanto. Como o tempo opera transformações! A primeira peça dramática era francesa. Contava a história de um marinheiro que, tendo voltado de viagem, se deparava com algum problema no lar. Mas já me esqueci do que se tratava. Era uma obra de um rolo, de conteúdo simples. Esses filmes eram exibidos numa humilde casinhola de nome Denki-Kan, no Parque de Asakusa, sendo que, pouco depois, apareceu um narrador, o afamado Saburo Somei.
De outro lado, em Nishiki-cho, no distrito de Kanda, havia uma casa de espetáculos chamada Kinki-Kan, esta bastante luxuosa. Antes de mais nada, seu salão possuía o aspecto do interior de uma mansão nobre. Utilizada como salão de preleções, seu assoalho era recoberto com esteiras acolchoadas, onde, logicamente, o público sentava. O primeiro filme a que aí assisti era a película francesa intitulada O Demônio Aloprado. Na verdade uma peça para crianças, mas que por ser bastante divertida fez grande sucesso. O narrador daquele tempo era Koyo Komada. Seu capricho em ser extremamente incomum lhe rendeu fama. Posteriormente, construiu-se em Kanda o cinema Shinsei-Kan ao qual também ia amiúde. De outra mão, em Asakusa, além do Denki-Kan, surgiram seguidamente mais salas: San-yu-Kan, Fuji-Kan, Daisho-Kan, Teikoku-Kan, Nihon-Kan, etc. Na cidade, ainda, começaram a aparecer aqui e acolá outros cinemas.
Como constitui fato conhecido dos senhores, o cinema, no princípio, era chamado de fotografia animada. Sua duração, que no início era de um rolo, ficou progressivamente mais longa, com dois e três rolos. Nos primeiros tempos, predominavam as obras da companhia francesa Pathé, que traziam a marca de um galo. Nessa época, uma película que fez sucesso foi “Zigomar”, um filme de bandido cuja trama era a fuga, sob vários disfarces, do personagem principal do mesmo nome. Isso teve enorme aceitação entre o público. Havia também uma comédia italiana em que um pequeno homem chamado Andrew atuava com grande agilidade. Era muito engraçado, chegando-se mesmo a inventar o título O Novo Rei dos Patetas, para sua película. Depois, teve imenso sucesso o filme Pegaso, da companhia alemã UFA.
Pouco depois, começaram a entrar filmes norte-americanos. É possível afirmar que estes, com a extraordinária dimensão dos seus cenários e a nitidez das imagens, além do vigor da representação dos artistas, atraíram para si quase que a totalidade do grande público. O mesmo aconteceu também comigo. Na época o seriado Meikin fez tremendo sucesso. Mesmo hoje deve haver muita gente que o tenha visto. Ademais, foi a partir daí que os filmes de faroeste tornaram-se uma febre. Eram, naturalmente, seriados. O artista que concentrou sobre si a simpatia do público foi Lolo, um astro exclusivo de cinema que se parecia muito com um japonês. Posteriormente, quando a febre dos filmes de ação se arrefeceu, foi a vez das comédias norte-americanas típicas entrarem em voga. Foram muito bem aceitas, então, as obras de Chaplin, Lloyd e Keeton.
Com a influência do cinema americano, os filmes europeus, produzidos na França, Alemanha e Itália, tornaram-se raros. Momentaneamente, ingressou no país considerável número de obras italianas de longa duração, mas também elas foram sufocadas pelos filmes americanos e estes acabaram por monopolizar o mercado. As empresas de então eram a Paramount, a Fox, a Metro Goldwyn, a Universal e outras, cada qual com sua respectiva peculiaridade. Esta última contava dentre seus filmes com uma seção à parte, a Blue Bird, que merece menção especial. Ate então, as fitas de cinema tinham por objetivo apenas a diversão, cheias de artifícios para tirar aplausos, frívolas. Tal não se aplicava às obras da Blue Bird. Desprovidas de todos estratagemas fáceis, expressavam apenas a verdade, tendo alguma coisa que tocava o coração. Pode-se estabelecer um cotejo com a oposição entre a tendência do romance europeu do século dezoito, que não se desligou do teatro, e a seara virgem aberta por Ibsen, com o cultivo de um romance psicológico profundo. Assim, desnecessário dizer que os filmes Blue Bird foram amplamente bem recebidos pela classe intelectual, como obras destinadas à apreciação dos entendidos na arte do cinema. Graças à sua influência, os filmes norte-americanos, repletos de artifícios para agradar o público, penderam para maior profundidade e peso.
Um diretor famoso desses tempos passados, ainda hoje difícil de olvidar, vem a ser Griffith, um especialista em obras gigantescas. Um dos filmes realizados por ele, Intolerância, tinha não apenas um conteúdo profundo, mas muito emocionante. Também inesquecível é Valentino, homem de rara beleza, que encantou plateias do mundo inteiro. Não por sua arte, diga-se, mas por seu belo rosto. O último filme seu que vi foi Sangue é Areia, uma adaptação da ópera Cármen. Sua beleza chegava até o ponto de exercer fascínio sobre o espectador masculino. Talvez, mesmo no futuro, não surja homem tão belo quanto ele. Naturalmente era de se compreender que fosse a paixão de todas as mulheres da face da Terra. Lamentável, todavia, é que Deus, agraciando-lhe com a beleza, não lhe concedeu a longevidade. Já Douglas Fairbanks, com seu talento peculiar, conquistou momentaneamente a popularidade mundial.
Eis aqui o que pude registrar, vasculhando minha memória acerca da era do cinema mudo. Em 1919, porém, desde que me tornei seguidor da Igreja Oomoto, por várias razões, inclusive de natureza religiosa, deixei de assistir filmes por mais ou menos dez anos. Exatamente nessa época surgiu o cinema falado.
O que vim escrevendo se refere ao cinema estrangeiro. Verdade é que, até então, o cinema japonês não valia a pena ser visto. Como é do conhecimento geral, com o nascimento do cinema falado, o narrador, cuja existência era imprescindível, acabou por se ver na rua. Citarei o nome dos narradores de que mesmo hoje me recordo: Saburo Somei, Ten-han Takita, Tenpu Ishii, Raiyu Ikoma e Tenro Tani. Dentre os profissionais ainda na ativa temos: Roppa Furukawa, Musei Tokugawa, Shiro Otsuji, Suisei Matsui, Seiha Inokuchi e outros.
Desde que me desliguei da Igreja Oomoto, anteriormente citada, principiei a assistir filmes de novo. Graças à minha extrema adoração ao cinema, que vem de nascença, a febre cinematográfica reacendeu-se. Desde então, continuo até hoje a assistir ao maior número possível de filmes.
A primeira película a que assisti, depois da lacuna de dez anos há pouco citada, era intitulada A Batalha de Verão de Osaka, na qual o ator Kazuo Hasegawa – que usava o nome artístico de Tyojiro Hayashi – interpretava o papel de Sakasaki, o Senhor de Dewa. Fiquei, então, inteiramente pasmado. Jamais poderia nem mesmo sonhar que o cinema nacional fosse capaz de progredir tanto, durante o tempo em que estive afastado da área. Escusado dizer que esse constituiu o motivo de eu me tornar fã do cinema nacional. Os filmes japoneses que vi a partir daí e que me ficaram na lembrança são: Tange Sazen, O Desfiladeiro Daibosatsu, A Saga do Bando de Ladrões dos Reinos Beligerantes, Tsurujiro Tsuruhachi, Sumako Matsui, No Extremo do Pico Nevado, etc.
O cinema norte-americano atual não mais me emociona como outrora. A razão reside no fato de muitas de suas tramas abordarem temas caseiros, não se vendo mais obras de grande escala ou comédias de nível superior como antes. Concretamente falando, por não compreender o idioma, quando aparecem casos complicados nas fitas de temas familiares, fico sem entender bulufas. Talvez seja isso que as torne sem graça. Um desses motivos estaria no fato de que, depois do aparecimento do cinema falado, acabou a necessidade de mostrar o conteúdo por mímica, como se fazia no cinema mudo. Dentre os filmes americanos, ainda hoje não consigo esquecer Hurricane, Chicago, A Grande Planície, etc. Apesar de poucas, há obras do cinema inglês recente que devem ser vistas. Já quanto ao francês, a maioria são filmes de amor, pelos quais não sinto grande atração. Penso que a causa, todavia, poderia estar na minha idade.
Conquanto isso não seja muito válido para a época do término da Segunda Guerra, o cinema nacional tem produzido alguma coisa boa ultimamente. Também é fato indiscutível que a técnica de filmagem e tudo o mais tenha se desenvolvido em conjunto. No entanto, existem ainda muitas falhas. Citarei, por exemplo, a inclusão de artifícios fáceis para roubar aplausos do público na trilha dos filmes sonoros. Quando estamos com a respiração suspensa, tamanho é o interesse que nos prende ao desenrolar do cenário, deparamo-nos com uma situação despropositada e desnecessária que acaba por desfazer instantaneamente a emoção que nos tomava até aí. O pessoal do cinema deveria mostrar maior interesse por isso, razão que me obriga a fazer esta crítica áspera. Todavia, digno de se elogiar é a arte dramática dos atores contemporâneos. Reconheça-se que esta evoluiu bastante. Verdade é que isso, talvez, se deva à quantidade de tomadas em “close-up”, diversamente do que antes acontecia. Por fim, o que espero do cinema nacional são as obras de grande escala é o colorido natural. Há de se concretizar isto o quanto antes.
Ensaios
30 de agosto de 1949