VIAGEM À REGIÃO OESTE DO JAPÃO

Como é do conhecimento dos senhores fiéis, empreendi esta viagem à Região Oeste, a qual não visitava há um bom tempo. Desnecessário mencionar que me movi de acordo com a Vontade Divina, sendo que tal fato prenuncia a proximidade da época de desenvolvimento de nossa Igreja. Pretendo, aqui, relatar, de modo geral, o que ocorreu durante esta viagem.

Na ida fiz uso apenas de automóvel, tendo aprendido que, ao contrário do que se espera, é menos confortável do que empregar trem. Todavia, assim, realizei meu antigo desejo de uma vez percorrer as cinquenta e três estações da via Tokaido, com ares de um Yajirobee ou de um Kitahachi da atualidade. Tendo por acompanhantes apenas a minha mulher e Abe, tratou-se de uma viagem descontraída. Partindo às sete horas da manhã, depois de atravessarmos Shizuoka, encontramos com grupos de fiéis que, à beira do caminho, postavam-se aqui e ali para nos cumprimentar, fato que me colocou bastante atarefado. Os grupos numerosos compunham-se de cinquenta a sessenta pessoas, os pequenos — por menores que fossem — de cinco a seis. A todos eu respondia com um acenar de cabeça, o que chegava a ser estonteador. Nas cercanias de certa ponte, havia um punhado de cinquenta a sessenta pessoas, entre as quais se misturava um policial. Quando eu cogitava que a razão de sua presença ali estaria na manutenção da ordem, ele, inesperadamente, descobriu a cabeça e inclinou-se polidamente. Foi, então, que compreendi tratar-se de um fiel e encenei um sorriso amarelo. Nesse ínterim, chegamos, consoante o previsto, lá pelas onze horas à igreja de Nagoya. Na ponte próxima a esta, tivemos a acolhida de membros da diretoria e demais fiéis, liderados pelo seu chefe, o Sr. Shoichi Watanabe, perfazendo uma multidão de algumas centenas de pessoas. Fui informado de que aquela casa fora tomada por igreja a cerca de meio ano atrás. A vista que dela se aprecia é ótima, tratando-se de uma construção no estilo sukiya, luxuosíssima. Conta com bastantes cômodos, sendo espaçosa e agradável. É uma casa magnífica, difícil de se encontrar igual pelas redondezas. Seu jardim, em especial, é realmente esplêndido, com rochas e pedras exóticas, que se sobrepõem umas às outras. Fomos convidados, então, para um almoço amabilíssimo, após o qual fiz uma palestra para quatrocentas ou quinhentas pessoas, diretores e membros qualificados daquela região. Quando novamente tomei o carro, já passavam das três horas da tarde. Tanto quando entrei na referida igreja, como ao dela sair, formavam-se duas alas cerradas de fiéis dos arredores, desdobrando-se por uma extensão de aproximadamente uns cem metros. Seriam umas mil pessoas, num primeiro cálculo. Eu ia alternadamente acenando a cabeça, ora à direita, ora à esquerda, em direção a ambos os grupos, tendo penado bastante com isso. Considerei, então, ser mais fácil e conveniente proceder como o pessoal importante em semelhantes ocasiões, ou seja, manter a mão direita elevada à altura da cabeça. Afortunadamente, o local em questão era ermo, distando cerca de um quarteirão de uma grande avenida, fato que evitou a presença de intrusos que tudo querem ver. Foi realmente uma providência.

A seguir, dirigimos o nosso veículo para a cidade de Quioto. Durante o percurso, o que atraiu minha atenção foi a passagem pelo desfiladeiro de Suzuka, nos arredores de Tsuchiyama. Nosso carro avançava como se deslizasse por uma rodovia plana, dessas típicas das regiões turísticas. O céu de maio estendia-se completamente azul, e nós íamos serpenteando por entre o verde viçoso da folhagem nova da vegetação de ambas as encostas dos montes. Fui tomado por uma intensa sensação de refrigério. De repente, notei que já havíamos atingido a vasta planície de Shiga. Foi quando minha mulher exclamou: "Veja!". De fato, o Lago Biwa resplandecia entre as montanhas. Ao atingirmos as proximidades da ponte de Seta, centenas de pessoas já se achavam nesse local à espera para nos receber. Fomos, então, conduzidos para a vila de certo senhor, nas dependências do Templo Nanzen, a qual fora previamente arranjada para nossa hospedagem. O relógio marcava um pouco antes das oito. Também esta vila era uma construção sukiya ao estilo de Quioto: bastante luxuosa, com um jardim espaçoso, proporcionando uma vista agradável e familiar com seus musgos. Em especial, era difícil de desprezar a paisagem do jardim em estilo enshu, atapetado com musgo, vista da ponte em arco sobre um lago, de uns quinze metros, que conduzia para o prédio destinado às minhas acomodações. Além de tudo, o melhor eram o sossego e a calma reinantes, dos quais não se pode gozar em hospedarias. Logo, foram servidos pratos da mais fina culinária japonesa de Quioto, e eu os degustei com delícia. Como eu me encontrasse esgotado, graças à viagem de automóvel de onze horas, devo ter caído no sono lá pelas doze horas, depois de muito ter preocupado os servidores próximos.

Na manhã seguinte, levantamo-nos cedo e partimos, visitando, inicialmente, o museu de propriedade da família Sumitomo[1], guiados pelo Sr. Mimura. Seu acervo compõe-se quase que todo de bronzes chineses antigos, estando, em exposição, perto de duas centenas e algumas dezenas de peças. Disseram-me ser este número quase a metade do total. Surpreendeu-me terem conseguido reunir semelhante cabedal. As peças mais antigas remontam ao período da dinastia Yin e, à medida que o tempo avança, passando pela dinastia Han e os Três Reinos, essa variedade aumenta. Deve-se ter em alta valia o mérito daquele que reuniu tão completo acervo. Daqui saindo, encaminhamo-nos à vila real de Katsura. Esta vila, tendo sido construída nos primórdios do período Momoyama, traz, acentuadamente imbuído em seus prédios e jardins, o gosto que então imperava pela Cerimônia do Chá, refletindo muito bem a característica da época. Além do mais, deleitou-me, sobretudo, o sabor indizível de sobriedade, originário da pátina dos longos anos fluídos. Visitamos, depois os templos Kokedera[2] e Ryoan. Sobre estes últimos, não me restou outra impressão a não ser a que eu possa adjetivar como "lugares curiosos". Como os ponteiros do relógio marcavam onze horas, apressamo-nos rumo ao templo Honen-in, do qual se diz ter sido o local onde, outrora, o venerado monge Honen se dedicou a práticas ascéticas. Aguardavam-nos, ali, centenas de fiéis desta região, a qual há muito planejávamos visitar. Portanto, fiz-lhes uma palestra intercalada com as minhas impressões sobre Quioto naquele dia. Finda esta, vi os vários cômodos do referido templo sob a orientação do pároco. Não obstante seu envelhecimento, trata-se de um templo magnífico. Além de tudo, mostraram-me mais de dez peças, dentre as quais papéis decorados com pinturas em cores vivas de flores e pássaros, assim como um biombo (de autoria de artista desconhecido) do período Momoyama, classificados como tesouros nacionais: tudo simplesmente esplêndido. Fui introduzido, a seguir, no pavilhão principal, onde pude contemplar a imagem sentada do Buda Amitabha, de dimensões um pouco maiores que as de um homem, atribuída a Eshin Sozu, também esta uma obra excelente. Voltando, então, ao local em que nos hospedávamos, depois do almoço dirigimo-nos, primeiramente, à vila real de Shugakuin. A vila é constituída de um extenso jardim, de alguns milhares de metros quadrados, com colinas e lagos, e apenas um ou dois prédios. De sua parte alta, a vista abarca toda a cidade de Quioto. A paisagem em que o rio Kamogawa dissolve-se em brumas, como se fosse uma cinta de cor branca, é difícil de se descartar.

A seguir, visitei o Templo Shakadera[3], de Saga, sendo depois convidado ao Templo Daitoku, onde me mostraram a taça de chá do tipo Ido, chamada Kizaemon. Tida como a melhor taça de chá do Japão, trata-se realmente de uma preciosidade. Após isso, fui conduzido à vila de Nomura[4], em Nanzenji-cho. A magnificência desta mansão ultrapassou as minhas expectativas. Apesar de não ter visto o seu interior, os seus vastos jardins, com um lago ao centro, cercado por árvores e rochas, bem como sua ponte — tudo, enfim, adequava-se ao meu gosto. Para se ter uma ideia, basta que se imagine um jardim no estilo daqueles dos senhores feudais antigos, modernamente arranjado. Depois de sair deste local, fui convidado para o chá, conforme anteriormente havia sido combinado, pela família de Kankyu Soanke, patriarca do estilo Mushanokoji da Cerimônia do Chá, estilo este que forma com os das famílias Ura e Omote-Senke três grandes correntes. Na ocasião, fui recebido com um banquete cordialíssimo, composto de pratos da culinária kaiseki. Lá pelas dez horas, de volta à nossa pousada, fui dormir.

Na manhã seguinte, às dez horas, rumamos, de acordo com o programa, ao Museu Nacional de Quioto, onde vi a exposição, ora realizada, de cerâmica chinesa antiga. Não havia, contudo, nada de especial. Visitei a seguir, como também fora arranjado, o Museu Yurinkan, onde se expõe um rico acervo de Arte chinesa antiga, principalmente louças antigas, bronzes e pinturas, havendo coisa de primeira. A grande parte, entretanto, é de categoria mediana. Depois, fomos ao mosteiro Nishihongan-ji. Guiados por um monge, visitamos as suas dependências que, não obstante velhas, são imponentes. Progressivamente fomos conduzidos para o seu interior, adentrando por uma sala que, segundo consta, foi usada para audiências por Hideyoshi Toyotomi no seu famoso castelo de Momoyama, tendo sido transportada para esse local. Seu teto luxuoso é de treliças, e suas quatro paredes são forradas inteiramente com delgadas lâminas de ouro, sobre as quais se pintaram, em cores vivíssimas, flores e pássaros, paisagens e figuras humanas, conformando a quintessência da pompa. A fulgurante superioridade do então Conselheiro-Mor pode ser pressentida completamente graças a tal sala. Depois, fomos levados, através de um jardim, a uma casa bem afastada, do feitio de um anexo. Num canto dela, havia a sala de banho de Hideyoshi, por sinal muito rústica. Não chega mesmo aos pés dos banheiros das hospedarias de classe média modernas. Outrossim, havia, num dos lados, uma porta de tábuas de cerca de um metro e oitenta centímetros, como a de um armário embutido. Ao perguntar do que se tratava, obtive a resposta de que era o esconderijo de dois guerreiros que se refugiariam ali caso fosse preciso. Como se pode deduzir, era mesmo uma época perigosíssima. Além disso, na sala maior, abria-se um buraco grande o bastante para dar passagem a um homem. Espiando dele, pude ver que se comunicava com a água do lago próximo. Disseram-me que sua função era dar fuga de barco pelo lago, nas horas de emergência. Fiquei mas foi pasmado! Ri à beça, dizendo que renunciaria ao poder, caso tivesse que levar uma vida tão sinistra assim, mesmo sendo o senhor do mundo. Saindo de lá, dirigimo-nos de carro rumo a Osaka. Tendo chegado à casa do Sr. Kawai, a qual, há pouco tempo, tornaram-se igreja filial, fomos calorosamente acolhidos.

Após o almoço, entrevistei-me com os principais fiéis da região, a começar pelos membros da diretoria, que, às centenas, estavam, há muito, à minha espera, fazendo-lhes uma palestra. Finda esta, novamente tomamos o automóvel, com o propósito de visitar o Museu Hakutsuru, em Mikague. Levamos pouco mais de uma hora para chegar ao referido local. Apesar de, na oportunidade, o museu em questão achar-se fechado, graças aos desmedidos esforços de determinado senhor, selecionaram e mostraram-me, em deferência especial, unicamente suas melhores peças. Não sei como agradecer por tal gesto. Também nele o acervo consta, essencialmente, de cerâmicas chinesas antigas, além de bronzes e pinturas. Tratando-se, entretanto, somente de obras de primeiríssima qualidade, mesmo a mim, deixaram-me pasmado. Espontaneamente, fui tomado pelo sentimento de render homenagem ao Sr. Kano, patriarca da família proprietária do museu, recentemente falecido aos noventa anos, por sua elevada visão e mérito de ter conseguido colecionar tantas obras finas! Escreverei com brevidade sobre o principal.

Em primeiro lugar, havia duas pinturas budistas originárias de Tung Huang, China, que podem ser qualificadas como tesouro mundial. Devem datar de um milênio antes, sendo extremamente antigas como pintura religiosa búdica ou, para ser mais exato, pintura oriental. Citarei, a seguir, uma escultura budista do período das Seis Dinastias, uma placa de bronze de 20 a 25 cm2, na qual se estampavam, em alto-relevo, as imagens de cinco Budas. Seja pela técnica empregada, seja pela característica da época, a peça possui um sabor indiscutível. Eu jamais tinha visto coisa parecida. Outras peças que se destacaram foram o jarro de flores de porcelana verde-resedá kinuta com fênix[5], o turíbulo de porcelana com peônias em relevo, uma galheta de louça tricolor da Dinastia T´ang e o vaso de flores decorado com dragões negros em baixo-relevo[6], produzido nos fornos de Hsiu Pu. Entre todas as demais obras não havia uma sequer que fosse vulgar. Vi variadas fotografias de peças de porcelana chinesa do acervo de museus norte-americanos e europeus, mas estas são superiores. De tal viagem, considero estes os melhores frutos que colhi. Após a visita, fui convidado ao famoso Restaurante Tsuruya, em Imabashi, onde, juntamente com cerca de trinta membros da diretoria, tomei parte de um jantar. O clima era por demais harmonioso. O semblante risonho de todos parecia como que vaticinar o progresso futuro de nossa Igreja. Porém, como o tempo urgisse, dirigimo-nos velozmente de automóvel a estação de Osaka, aonde chegamos a tempo de embarcar no trem noturno das oito horas.

Um acontecimento que desejo, por fim, registrar, é que, nesta viagem, aonde quer que eu fosse, as aglomerações de fiéis eram enormes. Ao deparar-me com fato tão alvissareiro, tomei renovada consciência do desenvolvimento alcançado nas regiões de Nagoya e Oeste, não podendo reprimir a minha alegria. Outrossim, a começar da sinceridade fervorosa e das fisionomias, transfiguradas pela emoção, dos fiéis que acorriam para me receber e despedir-se de mim, havia mesmo quem respeitosamente se punha de mãos postas, e outros até que se sufocavam em suas próprias lágrimas. Em semelhantes ocasiões, também eu experimentava uma estranha sensação, impossível de se descrever, a brotar do meu íntimo. Esta viagem, ademais, teve a duração de três dias: nos dois primeiros, fomos agraciados com bom tempo e, no último, tivemos chuva. Também este fato deve se tratar, também, de manifestação de algum plano divino.

Após o término desta viagem, pude sondar a profundidade dos desígnios divinos. Explicarei. Como sempre afirmo, Hakone é o Paraíso das Montanhas, e Atami, o Paraíso do Mar. Há, portanto, necessidade de que se edifique o Paraíso da Planície — para o qual se faz mister um terreno plano e vasto. Quioto, sim, é o local que se adéqua justamente a esses quesitos: num sentido de Miroku (5, 6 e 7), equivaleria a 7 (sete). Por tal razão é que haveremos de adquirir um terreno de enormes dimensões nesse lugar. Além do mais, o que desta vez senti com intensidade, graças à observação, é que Quioto constitui, em seu conjunto, uma obra de arte. Conta com uma gama de peculiaridades jamais encontrada em nenhuma outra cidade, devendo ser, por excelência, o local a abrigar o grande Paraíso Terrestre. Desta maneira, eu me senti intensamente ansioso por construir algo magnificente e digno do símbolo de uma metrópole artística. Contudo, em que pese a Quioto o fato de contar, hoje, satisfatoriamente, com excelentes exemplares de beleza histórica, quase que não se depara, nessa região, com coisas que apelem de maneira vívida para o senso do homem moderno. Desejo eu, pois, construir um espaço artístico maravilhoso, que se amolde, perfeitamente, ao senso da época de hoje, o século vinte. Quero construir algo grandioso: jardins, prédios e, sobretudo, um grande museu de âmbito mundial, algo que tenha a capacidade de absorver, futuramente, os turistas estrangeiros. Desejo concretizar, na cidade japonesa das Artes, este parque mundial.

Revista Tijyo Tengoku, nº 25 — 25 de junho de 1951

[1] Museu de propriedade da família Sumitomo: Museu Sen-okuhaku Kokan.

[2] Kokedera: Templo Saiho-ji.

[3] Templo Shakadera: Estátua de Shaka, do Templo Seiryo-ji em Saga, Quioto.

[4] Vila de Nomura: vila do Sr. Tokushichi Nomura.

[5] Jarro de flores de porcelana verde-resedá kinuta com fênix: vaso de gargalo com fênix.

[6] Vaso de flores decorado com dragões negros em baixo-relevo: vaso do tipo flor de cerejeira, decorado com dragões negros, em baixo-relevo, sobre fundo branco, produzido nos fornos atualmente conhecidos como Tz'uchou.

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