SOBRE A ARTE DA VELOCIDADE E PICASSO

Quando cotejamos as artes ocidental e oriental, temos que aquela é dinâmica, enquanto esta, estática. Tomemos o exemplo da música: a do Ocidente prima pelo movimento e velocidade, exultando e animando o ouvinte, de forma que ele não possa parar quieto. Em contraposição, a música oriental induz o ouvinte a um sentimento de calma e repouso. O mesmo vale ser dito com relação à dança: a do Japão consiste mais num bailar, é a própria imobilidade. Já a ocidental e dinâmica, sendo um de seus ramos extremos o "jazz".

No tocante à pintura, dá-se o mesmo. A única diferença — em termos intrínsecos — com a música e a dança, é que é difícil para a pintura, em virtude de seus métodos estáticos, a expressão do movimento. Tal dificuldade ocasiona uma composição um tanto quanto forçada. Da vontade de solucionar o problema e criar uma nova tendência, surgiu a pintura ocidental hodierna. Aquelas pinturas estranhíssimas nasceram da concepção de que o método convencional de pintar tanto corpos estáticos, tal e qual se apresentam aos olhos, bem como o que está em movimento, também, de maneira estática, segundo a visão do pintor, não corresponde à realidade. O grande mestre do gênero é Picasso.

Quando, cientes disso, contemplarmos esses quadros, nós os entenderemos, mais ou menos. Eles expressam a sensação instantânea recebida de um corpo em movimento, podendo existir dois casos, como citamos acima: num, o movimento do corpo é expresso com objetividade; no outro, mesmo que o corpo esteja em repouso, tem-se a sensação do instante em que o próprio pintor se movimentava. Consequentemente, quem vê deve discernir tal detalhe com precisão, conquanto essa seja uma tarefa bem difícil. Em suma, temos a velocidade do movimento do objeto e a velocidade do movimento do pintor que vê o repouso do objeto. Como é extremamente complicado, basta considerar que o que importa é a sensação da velocidade. Por isso, há nessas obras rostos que se sobrepõem, que se contorcem, ou desequilíbrio entre o rosto que é minúsculo e o corpo que é imenso... A interseção de linhas geométricas consiste na sensação da velocidade correspondente a prédios e, da mesma forma, a sarabanda incoerente de cores, na sensação instantânea proporcionada por um canteiro de flores ou vestes femininas. Por isso, de posse de tais conhecimentos, não é impossível compreender até certo ponto essas obras. Todavia, para falar sem cerimônia, seria desejável que se pusessem notas explicativas a respeito do momento em que foram executadas. Caso contrário, quem vê é induzido a uma confusão mental inútil. Quem vai a uma exposição quer divertir-se; se o que encontra, porém, é sofrimento, a questão exige demorada reconsideração.

Creio ter já escrito o suficiente para ser, de forma razoável, entendido. De agora em diante, passo a manifestar aos pintores o que penso, na posição de contemplador de suas obras. Ao nos colocarmos diante de uma tela, deleitamo-nos quando logramos captar a intenção do autor, compreendendo, de imediato, do que se trata. Tal captação deve ser a alma da arte. Entretanto, defronte de um quadro como os de Picasso, somos levados a meditar nos objetivos do autor, no que ele quis expressar com o que criou. Parece até com o programa As Vinte Portas[1], onde somos obrigados a adivinhar se o negócio é um animal, um vegetal ou um mineral. Por causa disso, perdemos um bom tempo a meditar. O que se tem, portanto, não é arte, mas um tipo de quebra-cabeça. Felicidade seria poder ouvir do animador que chegáramos à resposta correta; provavelmente, porém, no referente a essas pessoas, ninguém nos dirá isso. No meu caso, só de ver algumas dessas telas, minha cabeça começa a doer: sinto medo em pensar o que aconteceria se as visse todas. Sendo assim — usando de um modo extremo de falar — quem vê tais obras é um tipo de vítima. De fato, o pintor, todo cheio de si, impõe a sua subjetividade — se o espectador aceita, benfeito! Pobre coitado! Ele é visitante de exposições... Este é o modo de pensar dos artistas modernos. Ignoram a objetividade, orgulhando-se de ser o que sempre apelido de fantasmas da subjetividade.

Fica registrada com ousadia a minha opinião. Talvez possa ser também a imposição da minha personalidade, ou mesmo a paga pelas imposições sofridas... Entrementes, quero escrever, de forma breve, a minha opinião acerca da pintura. Não resta dúvida de que ela é um elemento fundamental das belas-artes. Em se tratando, então, de um fator de tamanha importância, deve-se claramente receber dela a impressão da beleza. Em outras palavras, ao nos confrontarmos com uma boa peça, devemos experimentar, em plenitude, a atração e o embevecimento proporcionados pelo Belo. É nisso que reside o verdadeiro valor da obra e que faz dela um bem cultural excelente. Em consequência, as exposições para tal devem existir. Desejo acrescentar, aqui, algo mais. Trata-se do significado da Pintura em si. Independente de época ou lugar, a Pintura não será verdadeira caso sua apreciação esteja reservada exclusivamente a pessoas dotadas de um senso crítico especial. A alma da Arte reside na universalidade de proporcionar prazer a todo mundo. Desnecessário dizer que ela não deve imitar a Pintura ocidental da atualidade, na sua presunção. Caso ela se rebaixe ao nível do "jazz", que só faz correr atrás da moda vã, acabará por auto-exterminar-se, mais cedo ou mais tarde. Lógico é que, se a pintura consiste no alimento do espírito que se toma através dos olhos, deve-se dar de comer o que é gostoso, ao invés do que é ruim. A consciência do pintor deve proceder assim.

Jornal Eiko, nº 114 — 23 de janeiro de 1952

[1] As Vinte Portas: programa de diversão que foi levado ao ar de 1947 a 1960.

 

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