OS JARDINS DA TERRA DIVINA

Estes Jardins Sagrados de Gora, que há cinco anos venho construindo, estão concluídos cerca de oitenta por cento do seu total. Comparando apenas o que já ficou pronto com jardins de renome de diversas localidades do Japão, devo dizer – modéstia à parte – que os nossos não ficam atrás. Há aqui uma diferença enorme. O fato é que existem um sem-número de jardins afamados e esplêndidos, cada qual dono de uma graça particular, é verdade. Em geral, porém, tal característica não é lá grande coisa. Contudo, no que tange a este Shinsen-kyo, a diferença é tremenda, como os senhores podem ver. Por ter encontrado aqui espantosa abundância de rochas e pedras naturais de formato exótico, eu as dispus e arranjei uma a uma, conforme a orientação divina, e construí algo num estilo inteiramente novo, rompendo com as regras da jardinagem tradicional, sem me prender às convenções. Tanto no tocante às árvores, as quais selecionei e com elas combinei uma vasta variedade, de modo a se adequarem ao todo, como no tocante às cascatas e arroios, acentuei, na medida do possível, o sabor da natureza, e procurei expressar suficientemente o que existe de elevado e bom na arte natural, conjugando as belezas da paisagem e do jardim. Escusado dizer que minha intenção é purificar a alma e sublimar o caráter daquele que contemplar estes jardins, despertando, por meio da visão, a concepção de beleza que o ser humano traz latente em seu interior.

A minha obra assemelha-se exatamente a de quem pintou um quadro, fazendo uso de materiais naturais: após a combinação das rochas e escolha exaustiva das árvores e demais plantas, arranjei-as uma a uma, colocando meu coração em cada ato. Assim sendo, gostaria de que os senhores apreciassem os jardins tendo tal dedicação em mente. Acredito que, seja vendo de perto, como de longe, parcialmente, ou contemplando o conjunto, ou de que ângulo for, descobrirão um sabor próprio aí. Ademais, com o fluir do tempo, das reentrâncias das rochas entrevêem-se musgos típicos de Hakone, plantinhas de nome desconhecido, flores delicadas e graciosas e árvores que despontam retorcidas, parecendo cada qual querer atrair a atenção do visitante. Ultimamente, o jardim ficou tão bom, que parece outro, tendo-se coberto, por inteiro, de certa pátina que lhe confere amadurecimento. Eu próprio devo confessar que, ao vaguear por ele, muitas vezes sinto dificuldade de me afastar desse local. Outrossim, quando o volume de água cresce depois das chuvas, tem-se a impressão de contemplar das alturas a correnteza de um vale profundo: o regato que avança por entre as rochas vai arrebentando-se e espargindo espuma branca, volteia-se celere para, por fim, acabar-se em duas quedas d’água. Tal espetáculo arrebata-nos a alma. A cachoeira da direita, Ryuzuno Taki (Cascata da Cabeça do Dragão), com suas quedas, é interessante. Também o é a da esquerda, fendendo-se em mil fios que se espalham em todas as direções. Ainda agora reflete-se, diante dos meus olhos, o vulto de uma andorinha que, num átimo, passa rente ao véu d’água. Sem dúvida, manifesta-se aqui, de maneira perfeita, a beleza harmônica entre o natural e o realizado pela mão do homem, satisfazendo-me por ter saído muito além das minhas expectativas. Ao contemplar estas cascatas, a sensação que se tem é a de estar numa grota de serra, ou mesmo diante de uma magnífica tela. Geralmente, as cascatas construídas pelo homem têm um quê de vulgar que as estraga, mas nestas tal não se faz notar, parecendo completamente naturais. O colorido dos bordos de outono que nelas se reflete, os matizes próprios das demais árvores, as touceiras cerradas, tudo faz acreditar que se está numa floresta profunda. Fiquemos por aqui na descrição da parte do jardim que já foi acabada. Agora, no lote vago que se estende largo na parte dos fundos, nas vizinhanças do parque, comecei a preparar outro jardim bastante diferente, tendo planos bem originais que fogem dos limites do imaginável. Ficando pronto, vai assustar a qualquer um. Vim deste modo escrevendo o que me vinha à mente, e posso estar sendo considerado um grande arrogante, por enaltecer imprudentemente a minha própria obra. Do ponto de vista usual, esta consideração estaria correta. Entretanto, foi Deus quem, por meu intermédio, realizou esta obra, não havendo inconveniente algum, portanto, em que eu louvasse a técnica divina, ou seja, a arte de Deus. Pelo contrário, é até justo, pois é o mesmo que glorificá-Lo. A esse respeito, devo citar que o senhor William W. Shudler, professor de geografia de certa escola superior norte-americana, tendo vindo visitar-nos, enalteceu com ardor o jardim dizendo que, do seu prisma profissional, vira muitos jardins pelo mundo afora, mas nenhum tão artístico e precioso como este, sendo adequado classificá-lo como o primeiro do mundo.

Passemos, a seguir, a tratar do Museu de Belas-Artes, o qual será construído por último. Prevê-se que, até o verão do ano vindouro, ele esteja pronto. Com a sua conclusão, o Jardim Sagrado do Shinsen-Kyo deverá irradiar um brilho ainda mais intenso. No tocante às obras de arte a serem nele expostas, além do pouco que possuo, já levantei, em grande parte, aquelas catalogadas como tesouros nacionais de posse de museus, coleções particulares e templos de várias regiões do país, com as quais tenho gradativamente travado contatos. Portanto, ele virá a ser um museu que não ficará atrás dos demais. Outrossim, minha diretriz é, restringindo o número do material histórico e arqueológico, selecionar, segundo critérios estéticos, sem levar em consideração se se trata de arte ocidental ou oriental, antiga ou moderna, e expor somente obras-primas dos grandes mestres de cada época. A razão é que um museu de belas-artes não cumprirá a sua missão como tal, caso não proporcione, a quem quer que seja, independente desse alguém possuir ou não olho crítico, comover-se com a beleza e com ela deleitar-se. Ademais, é lógico que eu estou executando tudo, a começar do projeto de construção, passando pelas instalações internas, a decoração e outros aspectos mais, conforme a orientação divina. Por conseguinte, quando o museu ficar pronto, apresentará efeitos diversos dos outros.

Assim, o Shinsen-Kyo ficará praticamente pronto. Na alvorada da sua conclusão, a Obra Divina ingressará na etapa de efetivo desenvolvimento. E não é só. A edificação do Paraíso de Atami também passará para uma etapa de progresso vertiginoso. Deus faz com que tudo se processe ordenadamente: esta é a Verdade.

Eiko, nº 122

19 de setembro de 1951