Contudo, a modalidade de pintura que nasceu anteriormente, sob a influência do elegante estilo caligráfico kana empregado na expressão dos poemas japoneses, quando estes eram intensamente cultivados, no Período Heian, foi aquela chamada yamato-e. Essa técnica é derivada — naturalmente — da pintura colorida chinesa, sendo seu mestre máximo Nobuzane Fujiwara. Basta saber que, hodiernamente, uma única peça desse pintor é avaliada em mais de um milhão de ienes, para se ter uma ideia do seu talento. À parte, tem-se, também, a obra caricata de Tobasojo Kakuyu, sendo possível dizer que essa marca o início dos quadrinhos cômicos. O desenvolvimento da pintura yamato-e deu-se do período Fujiwara até o período Kamakura, sendo grande parte dessas peças constituída de rolos, cujos temas tratam do histórico de templos budistas e xintoístas. Hoje, os rolos de pintura dessa época são extremamente apreciados, alcançando preços exorbitantes. Certa peça que estou querendo, composta de três rolos, custa seis milhões de ienes, razão pela qual eu fico a chupar o dedo, sem condições de adquiri-la. Ouvi dizer que os americanos têm uma predileção especial pelos rolos de pinturas, espreitando as obras superiores como um tigre o faz com sua presa. O rolo de pintura das várias encarnações de Buda da era Tenpyo, de propriedade do nosso museu, data de 1.200 anos atrás, sendo a mais antiga peça de pintura do estilo japonês, muito embora a nitidez do seu colorido comprova a excelência dos pigmentos nele utilizados, sendo sua natureza ainda hoje desconhecida.
A escola Tosa, outrossim, consiste num desdobramento do estilo yamato-e. Dentre seus mestres, enumeram-se Mitsuoki, Matabee (Katsumochi) e, a seguir, Moronobui Hishikawa, o criador da xilogravura ukiyo-e. Depois deste, como todo mundo sabe, vieram, seguidamente, mestres de renome como Utamaro, Harunobu, Tyoshun e outros, até a modernidade.
No âmbito da pintura nipônica, igualmente, um gênero espantoso é aquele que trata de temas budistas. Também este nasceu sob a inspiração da pintura búdica da época da dinastia Sung, da China, mas deu à temática o tratamento peculiar do Japão. A Pintura budista nipônica chega mesmo a superar a chinesa. No nosso museu, conquanto em pequeno número, encontram-se expostas peças que, apreciadas sob a perspectiva estética, são valiosas. Por não estarem batidas nem apresentarem muitas manchas, como só acontece com pinturas budistas, oferecem uma visão agradável a quem as contempla. Aqui, não poderia esquecer de citar algo sobre alguns pintores do final do período Ashikaga. Trata-se, entre outros, de Yusho Kaiho, Tohaku Hasegawa e Sanraku Kano. O biombo de Yusho, de propriedade do nosso museu, é considerado a melhor peça de toda a obra do artista. Foram muitos os artistas de peso da escola Kano: Motonobu, Naonobu, Tsunenobu, Tannyu e outros, sendo Gaho o derradeiro. A popularidade da escola, todavia, perdeu muito do seu antigo brilho. Sem dúvida, a razão única é a mudança dos tempos.
Pondo um ponto final à minha dissertação sobre a pintura, quero agora discorrer alguma coisa a respeito da caligrafia. A caligrafia representativa do japonês é indiscutivelmente a do gênero kana. Neste gênero, os talentos que mais se sobressaem são os do período Heian, nomeadamente Tsurayuki, Michikaze, Saigyo, Sukemasakyo, Toshiyori, Shitago Minamoto e Yukinari. Do período Kamakura: Sadaie, o Príncipe Munetaka e Yoshitsune; como talentos femininos: Murasaki Shikibu, Kodaino-kimi e outras. Seus antigos manuscritos possuem uma elegância própria do Japão e trescalam um aroma de nobreza tal, que não há nada que a eles se compare. A seguir, temos os manuscritos legados pelos monges budistas. A lista abre-se encabeçada por Kobo Daishi, vindo após Taito Kokushi, fundador do templo Daitoku — sucedido pelos monges que seguem a sua linha, principalmente: Ikkyu, Takuan, Seigan, Kogetsu, Gyokushitsu e outros. Do período Kamakura, podem ser nomeados Mugaku Zenshi, o fundador do templo Engaku, e Muso Kokushi, fazendo outro estilo. Já na época moderna, Ryokan goza de popularidade, e eu considero Kaioku Nukina um excelente calígrafo. Sobre caligrafia, já basta. Passo agora à cerâmica nipônica.
A cerâmica japonesa, assim como a Pintura, provém, sem dúvida, da China. Desta receberam influência a porcelana do tipo estampa vermelha, estampa azul e verde-resedá, além — como é do conhecimento geral — das porcelanas Kakiemon, Imari e Kutani. Entretanto, os pratos de cerâmica Nabeshima, seja pelo seu desenho, seja pelo seu colorido, são peças exclusivas do Japão. Tem-se ainda, como peças diferente, a porcelana de Satsuma e a de Banko. Além dessas citadas, há a cerâmica de Owari, desenvolvida a partir do período Kamakura, tendo como modelo a antiga cerâmica coreana. Constitui-se, em sua maior parte, de tigelas de chá, tendo sido bastante consideradas e apreciadas pelos mestres da Cerimônia de Chá. Por conseguinte, o valor que atingem é assustador. Dividem-se elas nos seguintes tipos: Koseto, Kiseto, Shino, Karatsu[1] e Oribe, sendo denominadas peças de Owari ou Sabi. Na modalidade Sabi, existem também a cerâmica de Bizen e a de Shigaraki, as quais fornecem muitos utensílios também para a Cerimônia do Chá. Ambas possuem um sabor bem difícil de ser descartado. Em se tratando de tigelas para a referida Cerimônia, não se poderia deixar de mencionar as peças produzidas por Tyojiro, o iniciador da cerâmica Raku. Criou ele este gênero tipicamente japonês, inspirando-se na cerâmica produzida durante a dinastia Yi da Coreia, tendo sido, devido a tal gesto, amado por Sen-no-Rikyu. São incontáveis as obras excelentes que produziu. Nonko, seu sucessor da terceira geração, Ichinyu, da quarta, e Sonyu, da quinta, gozam de fama. Tyojiro, portanto, como exímio ceramista japonês, terá seu nome relembrado pela eternidade.
Aqui, vejo-me compelido a escrever sobre exímios mestres da cerâmica japonesa que não ficam a dever aos artistas chineses. São eles — sem discussão — Ninsei e Kenzan. Escrevamos, primeiramente, a respeito de Ninsei. Sendo um natural de Kyoto, do início do período Tokugawa, seu verdadeiro nome era Seiemon Nonomura. Por residir na aldeia do Templo de Ninna, foi apelidado Ninsei, e com este nome tornou-se famoso. Seu talento residiu, sobretudo, na originalidade da sua obra, fator que a distingue do restante da arte japonesa da cerâmica, inspirada em padrões chineses ou coreanos. Seus desenhos, seus ornatos, sua forma, suas cores — tudo expressa, com perfeita fidelidade, o senso nipônico. Ademais, em questão de elegância e altivez, jamais será suplantada pela porcelana chinesa. É um motivo de autêntico orgulho para o Japão. Ao deparar-me com a obra de Ninsei, sempre considero que, como ceramista japonês, ele ocupa posição equivalente à de Korin.
Passemos, então, a Kenzan. Este, como é do conhecimento geral, é irmão mais novo de Korin. Artista versátil, possuía excelente habilidade para a pintura. O que tenho por raro, no seu caso, é que tal talento o acompanhou, inclusive, na arte da cerâmica. Cotejado com Ninsei, possui um sabor diferente: se chamássemos Ninsei de homem das cortes, Kenzan seria o homem do campo. Ele não possui a delicadeza de Korin ou de Sotatsu, mas é dono de um sabor primitivo simplesmente indescritível. Penso eu da seguinte maneira: graças a estes dois grandes artistas, a cerâmica japonesa, ainda que posta lado a lado com a chinesa, não fica a perder um pouco que seja desta.
A seguir, pretendo escrever algo sobre a arte budista. Também, no presente caso, ela nos foi transmitida da China: a Pintura na dinastia T'ang e a Escultura na época das Seis Dinastias, isto é, na época do reinado de Suiko, o que remonta, portanto, a mil 1.300 anos atrás. Naturalmente, seria desejável afirmar que tanto a pintura como a escultura vieram registrando um progresso simultâneo. Todavia, sinto-me em dúvida ao empregar a expressão "progresso". Explico a razão: quanto mais antiga a obra, superior ela é. De fato, somos obrigados a assentir que, do ponto de vista do requinte técnico, as peças do período Kamakura são as que mais apresentam avanço. Porém, as obras do período Fujiwara as suplantam, sendo por sua vez suplantadas pelas do período Nara. É simplesmente intrigante. As primeiras esculturas foram executadas quase que todas em bronze e em laca endurecida; depois, gradualmente, o material passou a ser a madeira. A famosa estátua de Avalokitesvara de Kudara, do Templo Horyu, a do Bhaisa Jyaguru, do Templo Yakushi, e a de Avalokitesvara de Onze Faces, do Templo Hokke, são obras-primas, cujo valor transcende os meios de expressão verbal. É plausível, pois, dizer que a escultura budista, à parte da pintura, atingiu o grau supremo em todo o mundo. A arte budista trata-se de um dos ramos dos quais o Japão pode orgulhar-se, contando com obras-primas de nível mundial.
Jornal Eiko, nº 168
6 de julho de 1952