IMPRESSÕES DIVERSAS SOBRE AS ARTES ORIENTAIS II

Tem-se, além do mais, o nascimento daquele famoso e raro artesão da era Momoyama, Koetsu Honnami. A sua genialidade para com a arte abrangia todos os campos e era criativa: sobressaem-se aí as suas peças de laca maki-ê, de cerâmica Raku, de caligrafia e pintura — estas últimas produzidas em pequeno número. Escusado comentar que tanto o seu desenho inédito quanto os materiais empregados assombraram os seus contemporâneos. O artista que depois surgiu, sob a influência de Koetsu, foi o também famoso Sotatsu. Este rompeu, admiravelmente, com as tradições cultivadas, até então, pelas diversas correntes artísticas de sua época, criando a técnica pictórica maravilhosa, que hoje podemos apreciar. Trata-se, pois, de um grande benfeitor do mundo japonês da pintura. Um século mais tarde, deu-se o aparecimento de Korin. Korin inspirou-se no estilo de Sotatsu, sublimando ainda mais essa técnica. Pode-se dizer, então, que, nesse sentido, Sotatsu é o gerador de Korin.

Faz-se preciso, agora, abrir parêntese para mencionar Korin. Mesmo os, atualmente, tão comentados Matisse ou Picasso têm sua origem em Korin. Creio que Korin foi mundialmente reconhecido em meados do século XIX e descoberto, primeiro, por certo pintor francês. Quando este deparou, pela primeira vez, com uma pintura de Korin, arregalou os olhos surpreso. Até então, na Europa, os padrões estéticos renascentistas vigentes, por um longo espaço de tempo, haviam alcançado o seu cume: a Pintura, por exemplo, chegando ao ápice do realismo, encontrara o extremo do caminho, não tendo mais para onde ir. Para se ter uma ideia, basta dizer que existiam adeptos de opiniões, tais como a de que eram preferíveis fotografias coloridas a quadros. Foi então que se desvendou Korin, como um relâmpago a ziguezaguear pelo céu descoberto. Os pintores franceses constataram a maravilha do estilo do referido artista que, ao contrário das técnicas convencionais minuciosas e detalhistas daquela época, não só estilizava tudo com audácia extrema, mas expressava o objeto retratado muito além do realismo. Desnecessário dizer que o mundo artístico francês acolheu, com júbilo, a descoberta de Korin como se recebesse o próprio Messias — e fez uma guinada de curso de cento e oitenta graus: tem-se aqui a eclosão das escolas impressionista e pós-impressionista. O estilo de pintura a que atualmente se chegou teve o seu ponto de partida em tal fato, após ter passado por várias transformações. É plausível afirmar, pois, que o legado de Korin é tão grandioso, a ponto de não encontrarmos palavras com que adjetivá-lo. Há certo livro da época, tido como a sensação dos círculos editoriais franceses (agora não me lembro do nome do autor), intitulado Korin: Comovendo o Mundo. Assim, eu tenho comigo que Korin pode ser colocado na mesma posição que Shakespeare tem na Inglaterra — nem mais nem menos. Passados uma centena e algumas dezenas de anos após sua morte, ele movimentou o mundo inteiro. O mérito de sua obra não ficou confinado apenas à Pintura; ele provocou uma verdadeira revolução em todos os ramos da sociedade. A primeira manifestação de tal fato foi o estilo art noveau, avançando progressivamente até revolucionar todo o universo do desenho do mundo inteiro. Foi a simplificação de todo o tipo de beleza. A Arquitetura, sobretudo, foi a área que recebeu relevante influência. Tem-se, inicialmente, o aparecimento do movimento secessionista que, depois de passar por inúmeras transformações, originou o estilo Le Corbusier, hoje dominando os círculos arquitetônicos.

Dessa maneira, na Arquitetura, no mobiliário, no vestuário, nas artes comerciais, em tudo, o estilo renascentista passou a ser um sonho do passado. Termino, aqui, minha breve referência à obra de Korin. A respeito dele, eu penso da seguinte maneira. Como o japonês mais importante a ter influência mundial do ponto de vista da cultura, não existe outro a não ser Korin. Ele deve ser definido como um monumento mundial erigido pelo Japão. Dele, pode-se ainda dizer o mesmo com respeito à Pintura japonesa hodierna. Foi Korin também quem reverteu de vez a ordem do estilo de pintar em que os antigos padrões eram rigidamente preservados pelas escolas Kano, Shijo, Nanshu e outras. No tocante a isso, tenho a relatar o seguinte episódio: Foi no meu encontro pessoal, ocorrido há trinta anos, com o mestre Tenshin Okakura. Revelou-me ele ter fundado o Instituto de Artes com o intuito de reabilitar Korin na atualidade. Pode-se depreender, por tal fato, também, que Korin faz os alicerces da Pintura japonesa hodierna, a isso acrescendo-se o sabor da pintura ocidental. Para não ficar por demais prolixo, contudo, aqui ponho ponto final na conversa sobre Korin. Passemos ao próximo assunto: um apanhado acerca da História da pintura japonesa.

Como é do conhecimento geral, a Pintura japonesa tem sua origem na China. A Pintura oriental, por sua vez, segundo conta a História, tem seu ponto de partida em certo local da China próximo ao Tibete, cujo nome é Dong Huang. Nesse lugar, há mais de mil e algumas centenas de anos antes, existia uma cidade de cultura avançadíssima. Quero crer que Kozui Otani devotou especial interesse por essa região, tendo nela feita longa estada e procedido a exaustivas pesquisas. Eu já li, inclusive, os seus registros. Foi-me possível imaginar, pelo exame do grande número de fotografias a eles anexas, o grande avanço que, para a época, fora atingido pela Arquitetura, costumes, etc. A idade, então, é da dinastia T´ang. A partir da época dos Cinco Reinos, a Pintura oriental começa a progredir, assumindo praticamente sua forma final, no período da dinastia Sung do Norte, com o surgimento de grandes mestres. As obras afamadas das dinastias Sung e Yuan, hoje tidas em grande apreço, remontam a esse período. Fato curioso é que a maior parte dos pintores de renome dessa época é formada por monges zen-budistas. Os grandes mestres da Pintura monocromática a nanquim — Mu Hsi e Liang K'ai — também são monges zen-budistas. Como temos peças destes dois grandes pintores famosos em nosso museu, é provável que os senhores as tenham visto.

Dessa forma, a Pintura nascida na China foi importada pelo Japão no período Ashikaga. Verdade é que anteriormente, na época Nara, já algumas obras haviam entrado no país, mas aqueles que tomaram conhecimento das peças valiosas das dinastias Sung e Yuan foram os xoguns Yoshimitsu e Yoshimasa Ashikaga. As obras dessas duas dinastias chinesas, que atualmente existem no Japão, passaram quase todas pelas mãos da família Ashikaga. Isso pode ser comprovado por um sinete especial, indicador do acervo da herança de Higashiyama; aposto, sobretudo, naquelas melhores peças. Outrossim, quem se encontrava incumbido da função de zelar por tais obras era Soami. Gei-ami e Noami, naturalmente, desempenharam esse serviço. Surgiu, assim, sob a influência das obras chinesas, a escola Higashiyama de paisagens a nanquim. Entre outros artistas que se moldaram na Pintura chinesa, podem ser citados Shubun, Dasoku, Kei Shoki e outros e, um pouco mais tarde, Sesshu. Sem dúvida são eles os patronos da Pintura japonesa. Consequentemente, Sesshu é o fundador da escola Kano.

Jornal Eiko, nº 167 — 30 de julho de 1952

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