IMPRESSÕES DIVERSAS SOBRE AS ARTES ORIENTAIS

Até hoje, os trabalhos de crítica da Arte foram quase que todos elaborados por estudiosos. Conquanto se diga com clareza e profundidade, a respeito do assunto, não são poucos os pontos considerados desnecessários para o leigo, e — no meu caso — muitas vezes não consigo ler tais obras até o seu término. Assim, procurei escrever um artigo que, lido de um ponto de vista comum, fosse interessante e pudesse proporcionar uma capacidade apreciativa geral ao leitor. Dar-me-ei por satisfeito caso aqueles que, de agora em diante, pretendam ingressar no terreno das Belas-Artes, o tenham como um ponto de referência.

Tenciono descrever, primeiramente, a situação hodierna das Artes no Japão e no exterior. Quando menciono o exterior, limito-me aos países possuidores de instalações dignas do nome de museus de artes, quais sejam, os Estados Unidos e a Inglaterra. Portanto, discorrerei acerca destas duas nações. Tanto uma quanto a outra coincidem no ponto em que vertem seus principais esforços, isto é, a Arte oriental. Melhor esclarecendo, a Arte chinesa com a tônica na porcelana, vindo em ordem secundária os bronzes e a Pintura moderna. Tomando em primeiro lugar o caso da Inglaterra, faz-se mister mencionar dois colecionadores mundialmente famosos: Humohopeless e David[1].

A coleção de "Sir" Humohopeless já adornava, há algum tempo, o Museu Britânico, sendo considerável o seu volume. Todavia, por ocasião da Primeira Grande Guerra Mundial, talvez por motivos de ordem econômica, viram-se obrigados a se desfazer de boa porção dela — o que, diga-se, deve ter sido feito com pesar. Naturalmente, a maior parte foi parar nos Estados Unidos, mas — fato curioso — alguma coisa veio parar, também, no Japão, sendo hoje de propriedade de certo senhor. Por tal motivo, verdade é que diminuiu; porém, mesmo assim, é vasta.

A coleção de "Sir" David (sendo da época em que o referido museu ainda não havia sido aberto) é composta de peças modernas, da dinastia Ming em diante, opondo-se à de "Sir" Himohopeless, na qual são muitos os objetos antigos, das dinastias T´ang e Sung. Na coleção deste último, há uma considerável quantidade de bronzes magníficos do período que se estende da dinastia Chou, passando pela Hang, até a Sung. Existe ainda um bom número de pinturas, mas são raras as peças das dinastias Sung e Yuan: a maioria consiste de obras da dinastia Ming em diante, sobretudo dos reinados dos imperadores K'ang Hsi e Kan Lung. Observando-se que bronzes e pinturas não constam dos catálogos, depreende-se que não são numerosos. Na Inglaterra, ademais, há colecionadores particulares, cujo cabedal é considerável. Nesse meio, achei interessante o fato de uma senhora admirar Ninsei e possuir algumas obras dele. O certo é que, no mencionado país, não há muitas peças da arte nipônica. Em contrapartida, já nos Estados Unidos, que, desta maneira, faz jus à sua fama de nação rica, existem inúmeros e ótimos museus, e as obras de arte são aí encontradas em abundância. A começar dos grandes centros metropolitanos, como Washington, Boston, Nova Iorque, São Francisco e Los Angeles, as demais cidades possuem museus, sejam eles grandes ou pequenos. Dentre estes, destaca-se, apesar de acanhado, o museu de propriedade particular de nome Frier Galery. Goza de fama mundial. Há nele objetos de arte maravilhosos, tendo eu já os visto em catálogos. No entanto, indiscutivelmente, o melhor museu norte-americano é o de Boston. Dizem que possui, especialmente, um grande número de peças de Arte japonesa. Tal fato é perfeitamente compreensível, já que, na era Meiji, Tenshin Okakura serviu como seu conselheiro, tendo coletado um razoável volume de boas obras. Posteriormente, Kojiro Tomita também adquiriu peças excelentes de arte japonesa. Há alguns anos atrás, vi várias fotografias dos biombos existentes no Museu de Washington. Eram muitos os de autoria de Korin e Sotatsu, mas, ao contrário do que eu pensava, não há tantas peças de arte japonesa antiga no exterior. Apenas, no tocante a xilogravuras, o que existe, no estrangeiro, é considerado superior e em maior número do que o existente no Japão. Sobretudo, o Museu de Boston goza de nome por suas xilogravuras. Inclusive a França e a Alemanha possuem algumas; nesta última, as obras de Sharaku existem, ao que parece, em grande número. A explicação que eu tenho para a abundância de xilogravuras no exterior é a seguinte: quando os estrangeiros, a partir da Era Meiji, vieram ao Japão, o que primeiramente se lhes mostrou diante dos olhos foram as obras de xilogravura. Além do mais, como o preço delas era baixo, tornando-as acessíveis, eles as levaram consigo como lembrança de viagem. Esta é a razão de hoje terem tais peças alcançado a sua atual posição. Contudo, por não me agradarem muito as xilogravuras, já fazia algum tempo que eu vinha adquirindo originais pintados a mão, tendo conseguido obras relativamente boas a preços módicos, o que me foi possível por terem os japoneses passado a dar valor à xilogravura, imitando, como é de praxe, o estrangeiro no gosto, e relegado as peças pintadas a mão. Ademais, quando os estrangeiros vieram ao Japão pela primeira vez, os japoneses guardavam, zelosamente, esses originais, o que também deve ter evitado que fossem notados. Tal cuidado foi providencial.

A seguir, como modalidade artística peculiar de nosso país, deve-se citar a laca maki-ê. De forma semelhante ao que aconteceu com as obras de ukiyo-ê pintadas a mão, não houve oportunidade dessas peças de laca serem vistas e, consequentemente, adquiridas pelos estrangeiros. Por tal motivo, ao contrário do que se poderia supor, elas não são muito encontradas fora do Japão. Explanarei, agora, concisamente a respeito da laca maki-ê. A idéia desta técnica foi, provavelmente, tomada dos trabalhos de laca chineses de épocas remotas, sendo depois apurada. No Japão, já na época Nara, foram produzidas peças consideráveis. As urnas para o acondicionamento de sutras remanescentes da era Heian são magníficas peças executadas em laca polida — um fato simplesmente surpreendente. A técnica de maki-ê, evoluindo, gradativamente a, partir dessa época, produziu obras excelentes e inovadoras ao atingir a Era Kamakura. Um número considerável de peças magníficas desta mesma época, ainda hoje, deliciam nossa visão. Da era Momoyama à Tokugawa, a técnica desenvolveu-se ainda mais e como, além disso, por ser a laca considerada o material mais apropriado para a confecção dos objetos de uso pessoal dos senhores feudais, estes competiam entre si na produção de boas peças. As obras de maki-ê em alto-relevo — que ainda hoje irradiam seu brilho dourado — remontam ao período do apogeu da Era Tokugawa, constando, principalmente, de estantes de livros, urnas para papel de escrita, estojos, escrivaninhas, caixas de toucador, objetos para a cerimônia do incenso, e outros.

Jornal Eiko, nº 166 — 23 de julho de 1952

[1] Percival

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