CONSIDERAÇÕES SOBRE A “EXPOSIÇÃO DOS TESOUROS DO TEMPLO KOFUKU-JI”, DE KASUGA, NA LOJA DE DEPARTAMENTOS MITSUKOSHI

Por motivo de ter ido ver, recentemente, a exposição tanto comentada, sobre a qual versa o título, explanarei, aqui, o que experimentei na oportunidade. Devo comentar, antes de mais nada, que o acervo exposto, em se compondo somente de obras que remontam às eras Asuka, Hakuho e Tempyo, de 1.200 a 1.300 anos atrás, pôs-me simplesmente abismado, por se ter logrado produzir, em épocas assim remotas, tão magníficas peças. O que, em semelhantes oportunidades, sempre acho estranho é o fato de apenas as Belas-Artes não se enquadrarem nas fronteiras do progresso. Realmente, variadas coisas vieram acompanhando o desenvolvimento da cultura e passaram por transformações vertiginosas. No caso das Belas-Artes, no entanto, aconteceu o contrário, podendo-se afirmar que quase não se verificou progresso algum. Verdade é que podemos detectar algo de novo nas obras da atualidade, mas o consenso que reina, para sermos sinceros, é de que essas jamais chegarão aos pés das antigas.

As artes japonesas têm suas origens na arte budista. Os primeiros exemplares desta remontam a 1.300 anos, por volta da era Suiko. Inicialmente, tomaram-se por modelos as imagens budistas da China. Neste país, a Arte búdica alcançou o seu apogeu no período da Dinastia Wei do Norte, há 1.500 anos antes, quando se produziram numerosas peças de primeira categoria, hoje conhecidas como imagens budistas das Seis Dinastias. Mais tarde, na época da dinastia T´ang, juntamente com outros elementos culturais, a arte budista foi daí afinal importada pelo nosso país. Justamente naquele período, o budismo conhecia os seus tempos áureos, e foi em tal contexto que uma arte budista característica do Japão teve nascimento. Além de tudo, a grande virtude da personalidade rara que foi o príncipe Shotoku, conjugada com o seu dom inato para com a beleza, fez abrir a flor esplendorosa da Cultura budista. A começar dos prédios do templo Horyu-ji e das obras de arte a eles anexas, até a posterior construção do templo Todai-ji, com a sua grande imagem do Buda, ela permanece ainda hoje a resplandecer fulgurantemente sobre a Cultura antiga do nosso país. A Arte budista progrediu gradualmente, passando pelas eras Asuka, Hakuho, Tempyo, Konin, Fujiwara e Kamakura. Considero eu que qualquer peça que se tome dessas épocas supera as chinesas, que lhe serviram de modelo.

As primeiras obras produzidas sob a inspiração da China foram as imagens fundidas em bronze e folheadas a ouro. Ainda estas são melhores do que as estátuas budistas das Seis Dinastias. O processo de execução destas imagens passou, depois, pela fase da escultura em laca seca e, mais tarde, em madeira. Na exposição da loja de departamentos Mitsukoshi, em questão, os exemplares em laca seca foram os mais numerosos. Antes de ver tal exposição, eu pensava que, em se tratando do acervo de um templo, a tônica estaria nas estátuas de Avalokitesvara Bodhisattva, dos Budas Amitabha, Sakya, Bhaisa-jyaguru, de Maitreya Bodhisattva e de Asura. Para a minha surpresa, porém, constatei que tais imagens estavam, praticamente, ausentes. Todavia, quanto à comentada estátua de Asura, trata-se, na realidade, de algo extraordinário. Como o nome Asura indica, eu esperava por uma imagem humana com o rosto de um demônio horrendo. Inesperadamente, dei com a face de uma moça de dezessete ou dezoito anos, fato que constituiu uma segunda surpresa para mim. Mas, pensando bem, a estátua quer expressar a transformação de Asura em um Buda, depois do arrependimento. Além dessa, são obras-primas consideráveis as imagens, executadas em laca seca, dos Oito Grandes Budas, em especial a de Karasu Tengu, e as dos vários Kumara. Mencionei aqui o principal; parecia não haver, de resto, muita outra coisa digna de se ver. Talvez pelos profundos vínculos deste templo com o clã Fujiwara, houvesse um grande número de armaduras, capacetes, e armas brancas, o que me fez considerar que tal espécie de acervo era algo não muito condizente com a condição de um templo. No entanto, uma peça que não se pode deixar de ver é um estojo de laca maki-ê, com fundo em aventurina e estampas de flores silvestres. Seja pelo seu feitio, seja pela característica da época, considerei-o uma peça simplesmente excelente.

Concluídos os comentários a respeito da exposição, pretendo tecer algumas considerações sobre a Escultura budista do nosso país. Quanto às imagens fundidas em bronze e folheadas a ouro, aquelas produzidas, inicialmente, nas eras Suiko e Hakuho são as melhores do seu gênero, e eu julgo que fazem jus à estima de que gozam, sob o nome de imagens búdicas de Suiko. Tem tais obras um sabor diferente das chinesas, sendo o seu elevado ar nobre uma característica peculiar do Japão. Com base inclusive nesse aspecto, não seria exagerado dizer que o senso estético do japonês é o primeiro do mundo. Tomei ciência pelo relato de certa pessoa relacionada nos meios artísticos, de volta de uma viagem pelo Ocidente, de que este fato foi ultimamente reconhecido no exterior, o que me deixou ainda mais seguro do meu conceito.

Passando, a seguir, à Escultura em madeira, existem obras maravilhosas dentre aquilo que foi produzido por volta da era Tempyo. A renomada imagem do Avalokitesvara Bodhisattava de Kudara trata-se também de peça da mencionada época. Como já existe um conceito formado sobre ela, julgo desnecessário fazer outros comentários. Produziram-se depois, nas eras Konin e Fujiwara, obras consideravelmente boas, mas, sem discussão, as melhores são as da Era Kamakura. A Escultura budista em madeira, ao ingressar nessa era, atingiu, subitamente, o seu ápice, com o seguido surgimento de grandes artistas e mestres, a começar por Unkei, e com a volumosa produção de peças que, ainda hoje, podem ser admiradas onde quer que seja.

Posteriormente, a partir da era Ashikaga, quase que nada se produziu que mereça ser apreciado. Vale notar apenas um número razoável de cópias de esculturas do estilo Kamakura, executadas por ocasião da era Tokugawa. A partir da Era Meiji, não mais surgiram escultores que possam merecer o título de grandes mestres. À exceção de Gengen Sato (conhecido, antigamente, pelos nomes de Tyozan e Seizo), ainda hoje desfrutando de saúde, que é um mestre de renome, como raramente jamais se viu. Eu amo suas obras. No futuro Museu de Arte de Hakone pretendo expor algumas delas. Os senhores poderão comprovar o que digo, caso as vejam. Sempre considero que o Japão é o primeiro país do mundo — pondo o restante de lado — no tocanete à escultura em madeira. Sobretudo no tangente às imagens budistas, produziram-se peças extraordinárias na Antiguidade, a um ponto que chega a ser mesmo estranho. Quando penso nessa colocação, tenho vontade de reunir de uma só vez o que de melhor existe e expor aos olhos de toda a humanidade. Assim, difundir-se-á, em âmbito global, o quão avançada é a cultura japonesa desde os tempos idos! Por tal motivo, pretendo, algum dia, promover uma grande exposição de arte budista. Quem a ela for, fará a descoberta de que, no Japão, desde épocas remotas, existiram muitos Rodins.

Jornal Eiko, nº 50 — 2 de abril de 1952

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