Desta feita, com o intuito de pesquisar e estudar a Arte budista do Japão, dirigi-me à região de Nara e visitei, consecutivamente, inúmeros templos famosos, colhendo significativos frutos. Assim, passarei a relatar aqui, brevemente, as impressões que tive. As obras que vi abrangem as eras Suiko, Asuka, Hakuho e Tempyo — de 1.200 a 1.300 anos antes — até as eras Konin e Fujiwara. Sou tentado a dizer que tudo o que vi era maravilhoso, a ponto de me pôr estupefato! Não fiz senão assustar-me perante a infinidade de obras produzidas em épocas tão remotas, obras que os artistas contemporâneos, talvez, jamais pudessem executar! Dentre elas, as melhores seriam, sem discussão, as do Templo Horyu. Uma quantidade imensa não só de estátuas fundidas em bronze e folheadas a ouro, de estátuas esculpidas em madeira, moldadas em laca seca e em argila, bem como de oratórios e objetos do culto religioso: apenas peças finíssimas que não admitiriam nem mesmo uma comparação com o existente nos demais templos. Em especial, a imagem do Avalokitesvara Bodhisattva de Kudara deixa-me com o sentimento de render homenagem ao seu autor, quando quer que eu a contemple. Outrossim, com relação aos comentados afrescos que recentemente ficaram prontos, ainda não foram franqueados ao público em geral, mas, em virtude de eu já os ter visto anteriormente, posso fazer ideia de como ficaram. Ademais, só em apreciar as fotografias que agora estão expostas, acorre-me a sua lembrança.
Além do que se relaciona ao templo Horyu-ji, sobre o que acabo de descrever, não pude conter minha admiração, ainda, diante da imagem principal do templo Yakushi-ji. Ao invés de eu gastar milhares de palavras a descrevê-la, é aconselhável que o leitor a contemple diretamente. Envolve ela uma técnica sobre-humana que transcende a expressão verbal. Certamente, será impossível aos artistas da atualidade, por maior talento que possuam, alcançar um mínimo que seja do que foi nela conseguido. Além dessas, todas as demais peças encontradas nos outros templos mereceriam ser chamadas de obras-primas. Permito-me, pois, omitir a sua descrição individual para dizer, ainda que tarde, que não é exagerado afirmar que o Japão ocupa o primeiro lugar no tocante à escultura em madeira. Os templos que desta vez percorri a ver foram o Todai-ji, o Yakushi-ji, o Hokke-ji, o Horyu-ji, o Museu Nacional de Nara, além do templo Ho-o-do, da Abadia Byodo, em Uji, e o Ishiyama, (estes últimos um pouco distantes dos demais). A imagem de Buda do templo Ho-o-do é representativa da escultura da era Fujiwara. É magnífica! O que pensei, então, foi em reunir, em um só recinto, esse numeroso acervo de obras de arte búdica antiga, de maneira a permitir que tanto japoneses como estrangeiros tivessem fácil acesso à sua apreciação. Fiquei imaginando o quanto tal empreendimento proporcionaria de felicidade e, também, o quão proveitoso seria! Concomitantemente, o mesmo faria todos se conscientizarem muito bem do quanto o povo nipônico se sobressai em termos culturais, desde os tempos idos. Nesse sentido, espero edificar, algum dia, um grande museu de artes em Quioto, a fim de tornar tal fato manifesto com fidelidade.
Eis aqui um rápido relato desta minha última viagem. Além disso, quero comentar, ainda, sobre a Escultura budista da Era Kamakura. Após passar por um intervalo de repouso a partir da Era Nara, a referida escultura, com o início da Era Kamakura, experimentou um súbito despertar, descortinando um cenário esplendoroso. Desnecessário mencionar que grandes mestres e artistas de renome surgiram seguidamente, figurando, entre eles, Unkei, Kaikei e outros. O ponto em que a escultura da Era Kamakura difere da Era Nara reside em ter sido aquela quase que unicamente em madeira. Seu colorido, em especial, progrediu muito, e passou-se a empregar, em sua decoração, a técnica da filigrana, a qual entrou em grande voga, havendo, ainda hoje, muitas peças nas quais foi empregada. Este trabalho apuradíssimo constitui algo digno de louvor. Admiro-me sempre ao pensar em como foi possível, em semelhante época, serem produzidas peças assim tão refinadas! No Museu de Artes de Hakone serão expostas obras que merecem ser chamadas da quintessência do trabalho em filigrana: quem quer que as veja ficará pasmado.
Assim, dou, praticamente, por encerrado o relato a respeito da minha recente apreciação de Arte búdica. A propósito, no Japão, quase que inexistem obras-primas de escultura que não as relacionadas ao budismo. O único escultor famoso que constitui exceção é Jingoro Hidari, acerca do qual existem muitas lendas curiosas. Pode-se afirmar que a maior parte de sua obra não se encontra exposta aos olhos do público em geral, a não ser O gato adormecido do mausoléu Tosho-gu, em Nikko. Contudo, há um artista que aqui quero recomendar. É alguém ainda vivo: o escultor Guenguen Sato. Inicialmente, tomou ele por nome Tyozan, chamando-se, mais tarde, Seizo. Gengen é o seu terceiro nome, fato que o torna, nesse sentido, alguém peculiar. Ele deve ter completado este ano, se não me engano, 83 ou 84 anos. Considero-o um grande mestre como jamais houve desde os tempos antigos. Gosto das suas obras e pretendo expor algumas que tenho por excelentes no museu de artes. Quem as vir, compreenderá o que digo.
Jornal Eiko, nº 156 — 14 de maio de 1952