A RAZÃO DO DESAPARECIMENTO DOS GRANDES MESTRES (II)

Tratarei, a seguir, dos círculos das belas artes, em especial da área dos pintores. Este setor, também, perdeu ultimamente quase todos os chamados grandes mestres. Restam meramente dois: Gyokudo e Taikan. Naturalmente, por ambos terem idade muito avançada, não se pode contar longamente com eles. Assim, quando se pensa no porvir do mundo da Pintura japonesa, conclui-se que, por um bom intervalo de tempo, estará tomado por um sentimento de vazio. Quanto aos demais pintores de fama — para falar com sinceridade —, eles se aproximam cada vez mais da perfeição técnica, mas, em contrapartida, a vivacidade de suas obras é parca, e, particularmente, no que toca aos maiores, essa tendência é mais perspícua. Dentre esses artistas, o mais enérgico talvez seja Ryushi. Em vista dos fatos discorridos, é-me possível afirmar não ter deparado com peça alguma que me tivesse impressionado sobremaneira e ficado na recordação, ao percorrer as mostras de arte recentes. Nessas oportunidades, recordo-me do esplendor daqueles anos posteriores ao início da realização da Exposição do Instituto de Artes do Japão. Era, então, com impaciência, que eu esperava o dia de abertura, tal o número de obras-primas apresentadas. Nem há necessidade de comparar com o que hoje se verifica, sendo por demais lastimável ter de se contentar com a explicação de que essa escassez advém do passar das épocas. De certa forma, tal fato é até mesmo estranho.

O tópico mais lamentável é a perda da força da pincelada — o elemento vital da Pintura do Oriente. De fato, ainda há pinturas em que os traços são predominantes. São, contudo, linhas delgadas e extremamente frouxas, as quais fazem tão somente marcar com cautela os contornos. Os limites que daí surgem são, nesse caso, preenchidos com tinta: não existe, portanto, nem impacto e tampouco profundidade. Cotejem-se com elas as obras dos grandes mestres da Antiguidade: o sabor e a fartura do volume criam uma atração inigualável que nos impede de afastar delas os olhos, ao vê-las. Terminada a apreciação, experimenta-se até uma sensação de tênue cansaço. Creio tratar-se de uma sensação comum a muitos diletantes, sendo proveniente da atmosfera e da nobreza da Arte.

Todavia, as obras dos pintores recentes passam a impressão de serem peças de doentes, tamanha a sua debilidade. Além do mais, como existem muitas pinturas em que se lançou mão da técnica de recobertura, a coisa fica ainda pior, o que deve acontecer porque, ao perceber-se que o pincel não obedece, pode-se corrigir a falha por meio da citada técnica. Eu acredito que a razão de ultimamente a pintura a óleo estar em voga se remete a tal fato. Outro acontecimento que noto quando vou a exposições é não haver grande diferença entre artistas veteranos e estreantes. A distinção fica por conta da assinatura. A explicação desse fato não requer que meditemos muito: imitação por imitação, tanto faz se o autor é veterano ou novato. Antigamente, porém, bastava que batêssemos os olhos numa peça para saber que pertencia a um grande artista. O seu brilho a distinguia completamente das outras. Nesse sentido, podemos determinar o valor real da pintura hodierna. Ultimamente, quando saio de uma mostra de arte, não posso evitar uma sensação de que é um misto de desesperança, desânimo, pessimismo e cólera. O que se leva de volta para casa é um presente de tristeza, conquanto a intenção inicial residisse na diversão.

Creio que os meus comentários são um tanto cruéis, mas eu os fiz, pensando no futuro da pintura japonesa.

Como sei onde se encontra a verdadeira razão de semelhante fato, passarei a escrever, a seguir, com detalhes a esse respeito. Pretendo fazer um introito acerca da afamada pintura antiga chinesa, especialmente — como é do conhecimento dos diletantes — aquela das dinastias Sung e Yuan. Destacam-se, aqui, indiscutivelmente os pintores Mu Hsi e Liang K'ai. Sobre eles, Saneatsu Mushanokoji já escreveu antes, pelo que creio que quem o leu tem conhecimento de serem ambos os pontos máximos da Pintura oriental. Sua técnica, quase que sobre-humana, faz com que eu tome uma atitude de humildade sempre que vejo essas obras. Além dos dois, podemos mencionar Yen Hui, Ma Yüan, Ma Lin, Kao Jan Hui, Jih Kuan e outros, sendo que todos pintaram pela técnica monocromática. Tive a oportunidade de ler em algum livro que Sen-no-Rikyu, em suas reuniões da Cerimônia do Chá, pendurava sempre um rolo de caligrafia na sala; quanto a pinturas, ele, unicamente, fazia uso de Mu Hsi. O que mais me espanta nas peças dos citados artistas é a vigorosidade da força do pincel. Essa força é peculiar à pintura das dinastias Sung e Yuan, e tanto os japoneses como os outros estrangeiros não contêm o seu êxtase diante dela.

No Japão, do aprendizado da pintura dessas duas dinastias chinesas, nasceram, na era Muromachi, os gênios Sesshu, Shubun, Keishoki, Sesson e Dasoku, deles podendo-se dizer que são os patronos da pintura nipônica. Contudo, em se os comparando com as pinturas Sung e Yuan, é inevitável que fiquem indiscutivelmente aquém. Porém, digna de nota é a pintura peculiar do Japão, surgida posteriormente. Em outras palavras, as pinturas budistas, das escolas Tosa, Korin, Yamato e as xilogravuras do estilo Ukiyoê. Essas obras trabalharam ativamente em prol das artes visuais japonesas, sendo do conhecimento comum que elas brilham no mundo. A partir da era Meiji em diante, surgiu um número razoável de grandes mestres; porém, seja como for, os maiores são os da escola do Instituto de Artes — que obteve êxito em introduzir, na sua estrutura forjada na escola Korin, aqueles bons elementos da pintura ocidental — e os da escola de Quioto, que gira em torno da rara genialidade de Seiho. Estas duas escolas infundiram, indubitavelmente, novo alento ao imutável mundo japonês da pintura, até então, profundamente imerso nos sonhos de uma longa noite. Seus merecimentos são dignos de alta apreciação. Depois, em consequência da guerra, passou-se por um estágio ocasional de letargia, que agora, concomitantemente com a recuperação nacional, dá lugar ao despertar do movimento. Eu me punha contente com esse acontecimento, mas verificando o que disse há pouco, não posso conter um demorado suspiro. Oh! lástima! O palácio da beleza da pintura nipônica, cuja edificação levou mil anos, começa a tremer! Ademais, caso sobre seus restos venha a erguer-se um palácio ocidental, a situação é de extrema gravidade. Verdade é que a pintura japonesa trazia em si, já há bastante tempo, essa tendência. Acreditando ser aquele um solo propício para o nascimento de uma nova arte, eu tinha minhas expectativas. Entretanto, quando dei por mim, vi-me traído, e o que era positivo tornou-se negativo.

Pelo exposto acima, julgo ter sido compreendido, e afirmo que há uma grande razão para o surgimento de semelhante tendência. É sobre o que discorrerei da próxima vez.

Jornal Eiko, nº 91 — 14 de janeiro de 1953

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