Recentemente, fui ver as exposições, que ora acontecem, do Instituto Japonês de Artes e da Sociedade Seiryu. Não poderia ficar, jamais, sem referir as impressões daquilo que eu vi; razão pela qual aqui as escrevo. Tratarei, primeiramente, da Exposição do Instituto Japonês de Artes. Ao entrar no recinto da mostra, fiquei surpreendido. Pensei ter-me equivocado e não me achar no lugar certo, porque ao lado realizavam-se as exposições da Associação Nikakai e da Sociedade de Artes Kodo. Entretanto, olhando com atenção, vi que as peças haviam sido executadas não com tinta a óleo, mas sim com pigmentos japoneses. Certifiquei-me, por isso, estar mesmo na exposição do Instituto, sem, contudo, poder convencer-me de todo. Aventei a possibilidade de se tratarem de obras criadas por algum artista plástico cuja especialidade fosse a pintura ocidental, o qual começara a empregar os mencionados pigmentos. Entrementes, ao ingressar na sua terceira sala, defrontei-me com uma peça de Taikan. Convenci-me, finalmente, estar de fato numa exposição do Instituto, e, ao mesmo tempo, fui invadido por um sentimento de indizível tristeza. Se se tratasse de uma exposição de artistas de fama recentemente adquirida, aquilo ainda seria desculpável. A do Instituto, contudo, além de registrar uma história relativamente antiga, trata-se de um dos pilares da pintura japonesa moderna.
Há quarenta anos, Tenshin Okakura, com o propósito de reabilitar Korin na atualidade, reuniu, sob as asas de seu ímpeto incontido, Taikan, Shunso, Kanzan e Buzan, escolhendo-os como seus quatro principais discípulos, e lançou um gigantesco petardo em direção à sociedade da pintura japonesa, que, até aquela época, não lograra desvencilhar-se da carapaça da tradição. A ousadia e a acuidade dos planos do Mestre Tenshin foram verdadeiramente revolucionárias. Como era de se esperar, os pintores puseram-se em movimento. No início, a reação não foi tão intensa, pois ele não obteve o reconhecimento geral. Todavia — como é fato conhecido — as atenções foram atraídas pela Escola Tenshin e, finalmente, sua existência tornou-se a figura dileta dos círculos da Pintura japonesa. Para compensar, em Quioto, apareceu outro grande gênio. Seu nome, Seiho Takeuchi. Sua técnica sobre-humana, dotada de um sabor diverso do da Escola Tenshin, dominou as atenções. Em parelha com Taikan, têm-se aqui os dois leões do Leste e do Oeste. Lamentavelmente, porém, traindo as expectativas nele depositadas, Seiho morreu. E não foi só. Kansetsu — aquele que era considerado o seu herdeiro — também veio a falecer. Faleceram prematuramente, ainda, Keisen e Bakusen. Desta maneira, o mundo da Pintura japonesa deslocou-se para o Oeste, onde, até hoje, permanece. No que diz respeito às exposições, restaram apenas duas: a promovida pelo Instituto de Artes e a realizada pela Sociedade Seiryu. Portanto, se a primeira, que, no caso, é a cabeça do par, reduziu-se ao que foi descrito, a Pintura japonesa encontra-se frente a frente com uma grande calamidade.
Passemos, a seguir, para a Exposição Seiryu. Também esta em nada mudou, não se acusando nela quase que progresso algum. No que toca à peça Ryorobon, de autoria de seu mandachuva — Ryushi —, para falar sem cerimônia, trata-se de um fracasso. O ponto passível de maior reprovação nesta obra reside, sobretudo, no estorvo representado pelo contorno negro que tudo circunda. Ouvi dizer que não foi pintada com tinta nanquim convencional, mas com uma obtida da carbonização de não sei que matéria. Seja como for, o que se pode declarar é que acabou por estragar a tela inteira. No instante em que vi tal quadro, julguei que seria uma boa obra, se tivesse sido executada a nanquim diluído. Farei agora a crítica global da exposição. Apreciando o conjunto (se se trata de arte de ambiente, não sei), o que digo é que a maioria das peças ignora por demais o foco. Fazendo uma avaliação negativa, são muitas as obras que se assemelham a papel de parede. Ademais, também pobres em senso estético: a maioria das peças assume o feitio de esboços. O que é certo é que carecem de profundidade e de nobreza, estando completamente ausente nelas o sopro vital da Pintura do Oriente. Em relação a esse aspecto, no que tange a esta exposição, considerei as obras de menor porte infinitamente melhores.
Por último, manifesto o que espero de Ryushi. É plausível afirmar que a sua técnica é uma das primeiras. Contudo, ao contrário do que era de se desejar, tal fator o atrapalha. Pela tendência de pintar de forma excessiva, levado por extrema habilidade, a tela — no conjunto — torna-se agitada, desprovida de calma e parcimônia. Inquestionavelmente, a natureza da Pintura oriental está na estabilidade e não no dinamismo. Este último, de fato, é tolerado pela época. Contudo, virando "jazz", põe-se tudo a perder. Outrossim, seus esboços sobre viagens estão interessantes, causando deleite. Apontando o seu defeito, entretanto, também neles o lápis trabalhou demais. Acho que seria melhor que fossem um pouco mais suaves… Como já disse antes, os eloquentes, embriagando-se com o prazer do discurso, desviam-se do assunto, falando até o desnecessário. Creio não ser somente eu quem pense assim.
Quero discutir, na íntegra, a seguir, sobre a pintura japonesa contemporânea no seu todo. Tratemos, inicialmente, dos seus temas recentes. Convenhamos que, hoje, temas como Dharma, Arahan, Hanshan e Shiht'e, Putai, dragões, paisagens chinesas e outros estão muito batidos, não se adequando à época. Todavia, esboços do nosso cotidiano também não aguçam o interesse. Tomemos o exemplo de objetos desprovidos de qualquer beleza, como os que existem aí pelas ruas ou no interior de nossas residências. O fato de serem eles pintados com o objetivo de torná-los belos à força, não seria em vão? Penso que, por maior que seja a habilidade com a qual tenham sido retratados, não provocarão nenhum fascínio em quem os contempla. Tal empenho, ainda, talvez, consista no resultado da imitação da pintura ocidental. Contudo, em se ignorando as regras da pintura japonesa como tal, esta perde o que tem de bom. Portanto, escusado dizer que, na escolha da temática, é mister tomar algo que possua nobreza artística. Com relação a este aspecto, deve haver uma infinidade de temas, em vista da excelência da paisagem japonesa e da abundância de espécimes de sua flora. Devo observar, todavia, que o tratamento dispensado ao tema sobre flores — retratadas com frequência pelos grandes mestres da atualidade — e demasiadamente água com açúcar. No caso das mesmas, é uma lástima que sejam poucas as peças cuja apreciação causa impacto, como acontece com as da Escola Korin.
Outrossim, como foi veiculado pelos jornais, promover-se-ão em cinco metrópoles norte-americanas, a começar por Washington, exposições de arte japonesa antiga. Os encarregados de tal empreendimento, o Sr. Wenry, Diretor do Museu Freyer, e o Sr. Priest, Chefe do Departamento de Arte Oriental do Museu Metropolitano de Nova Iorque, por ocasião de sua vinda a este país, visitaram individualmente o Museu de Arte de Hakone. Na oportunidade, entrevistei-me, pessoalmente, com eles. Ambos os senhores não demonstraram interesse pela pintura japonesa contemporânea. Apenas não pouparam elogios ao rolo de autoria de Seiho, retratando pardais e bambus. Chegaram mesmo a dizer que o queriam adquirir. Ademais, os dois senhores são considerados autoridades nos círculos artísticos dos Estados Unidos da América, e eu levei um susto com a agudeza de seu senso de apreciação. Posteriormente, o doutor Warner também veio ao Japão. Tínhamos um encontro marcado, mas, em virtude do seu cansaço (pois ele já está em idade avançada), fomos obrigados a cancelar o programa, deixando para outra oportunidade.
Há aqui um fato que necessita ser suficientemente ponderado. O julgamento dos norte-americanos não se deriva da obsessão por antiguidades, ao afirmarem que as obras recentes nada valem, ou que as peças antigas são preciosas. Eles amam as obras de arte antiga, apreciando-as, realmente, de uma perspectiva imparcial. Com respeito a este ponto, também eu penso de maneira idêntica, sem questionar a idade das peças de arte. Para mim, basta que tenham sido bem executadas e que me agradem. As pinturas antigas, porém, são infinitamente superiores, enquanto as recentes são medíocres, a ponto de não se poder estabelecer um cotejo entre elas. Segundo os diletantes norte-americanos, as peças dos grandes mestres franceses atuais alcançam valores extremamente altos, sendo disputadíssimas. Em contrapartida, na exposição internacional recentemente realizada na França, os óleos pintados por japoneses não tiveram boa aceitação, o que mostra que a pintura ocidental do Japão decididamente não chegou a um nível mundial.
Entrementes, no que tange à pintura japonesa, por se tratar da arte máxima particular do Japão, em âmbito mundial, seria uma opção inteligente que se envidassem mais esforços nela. Todavia, provavelmente, por não se darem conta de tal necessidade, os artistas nipônicos de hoje ocupam-se inteiramente em ficar copiando, com ardoroso esforço, a pintura a óleo. Assim, por melhores que saiam tais obras, não passarão, afinal, de meras imitações. Portanto, nesta oportunidade, reformulando o mais rápido possível sua maneira de pensar, seria aconselhável que se dedicassem com decisão e exclusividade à pintura japonesa. Desnecessário dizer que se deve ter como meta a produção de obras-primas que ultrapassem as peças antigas. Caso sejam elas expostas nos palcos do mundo, posso afirmar, sem hesitação, que o que acontecerá é que os artistas plásticos estrangeiros virão atrás da pintura nipônica, introduzindo o seu estilo na especialidade a óleo. Com respeito a tal atitude, desejo que vocês recordem um fato. É sobre a Pintura ocidental hodierna, a qual devotam a sua adoração. Saibam que as suas raízes acham-se na sugestão retirada da obra de Korin, as quais evoluíram até atingir o estágio atual. Na primeira metade do século XIX, quando o estilo renascentista avançara até alcançar o seu cume — o Realismo —, ela acabou por entrar num beco sem saída. Quem, subitamente, despertou esses artistas foi Korin. Graças a esse impulso, o mundo da pintura ocidental de então foi repentinamente convulsionado. Ao constatar tal grandeza de nossos ancestrais, deploro imensamente a mediocridade dos pintores modernos.
Dias atrás, a senhora Davit, diretora da Unesco francesa, visitou o nosso museu, e a peça de que mais gostou foi a famosa xilogravura ukiyo-e pintada à mão, A banhista, da Era Momoyama. Comovida por esta obra, a referida senhora revelou seu desejo de reproduzi-la e, com ela, apresentar, nas sedes da Unesco espalhadas pelo mundo inteiro, a natureza superior da cultura japonesa. Recentemente, recebi o pedido oficial do Departamento de Assuntos Culturais da Unesco, via Ministério dos Assuntos Estrangeiros do Japão, o qual deferi de muito bom grado. As reproduções estão sendo executadas pela Ohtsuka Kogeisha. O que lamento, em semelhantes casos, é o fato de a Pintura atual ser completamente ignorada.
Vim escrevendo, desordenamente, as minhas impressões, mas, em suma, a pintura japonesa confronta-se agora com o instante decisivo de vida ou morte. Desejo veementemente que, o mais rápido possível, possa ela escapar deste perigo. Outrossim, na presente exposição do Instituto Japonês de Artes, o que me surpreendeu foi o fato de Taikan — aquele que manteve até hoje uma posição de liderança inabalável, sem sujeitar-se aos caprichos da moda — ter adotado um estilo de pintar à moda ocidental extremamente sem seriedade. Vendo semelhante insensatez, não pude evitar que meus olhos se umedecessem.
Finalmente, desejo ardentemente escrever sobre o que penso acerca das pinturas oriental e ocidental, de um amplo ponto de vista. Considero eu que a pintura japonesa é a que consiste na verdadeira Arte. Julgo não se poder afirmar que a pintura ocidental seja Arte. Antes de mais nada, tomemos as formas como são tratadas. A pintura japonesa existe com o objetivo de ser ela própria apreciada, para o que existe o tokonoma. Ademais, conforme a mudança das estações, procede-se à sua substituição. Opostamente, os quadros de Pintura ocidental são apenas indiscriminadamente dependurados pelas paredes, sem que haja necessidade de serem trocados. Assim, para falar com franqueza, tratam-se de uma modalidade de móveis finos. Além do mais, na sua execução, a pintura oriental é traçada, enquanto a ocidental é recoberta de tinta. Por isso, na pintura oriental, o pincel traça com impetuosidade, de um só golpe. Neste exclusivo traçar é que reside a energia da vida. Tal fato é, também, compreensível quando tomamos a caligrafia como exemplo. Esta vive, por ser executada em um único ímpeto. Os ideogramas retocados tornam-se mortos. Por tal motivo, eu considero a pintura japonesa Arte, enquanto classifico a ocidental entre a Arte e o Artesanato.
Qual o motivo, então, da decadência da pintura japonesa de hoje? Sem dúvida, a causa fundamental está na ilusão advinda de se misturar a Arte com a Ciência. Considero que é porque a tendência de venerar as coisas do Ocidente tenha se estendido até as Artes, em consequência do engano provocado pelo maravilhoso progresso científico. Em contrapartida, é fato verdadeiro que a atração que os intelectuais das nações do Ocidente experimentam pelas Artes orientais torna-se cada vez mais densa.
Vim, deste modo, escrevendo polidamente, mas, em suma, o que quero é que, pelo menos no campo artístico, se deixe de adorar o Ocidente e se pesquise e se tome nova conscientização a respeito da Arte antiga do Japão, da China e da Coréia. Sobre este fator, faço o seguinte registro. Ao Museu de Artes de Hakone, convergem todas as classes de pessoas, mas, curiosamente, quase não vêm pintores. Meditando a tal respeito, concluí que os pintores contemporâneos, uma vez que aspiram à pintura a óleo, talvez considerem não ser conveniente ver obras antigas, pelo que não posso conter um longo suspiro. Se eles não se tornarem cientes de semelhante fato, mais cedo ou mais tarde, serão abandonados não só pelos estrangeiros, mas pelos próprios compatriotas. O fim da pintura nipônica trata-se apenas de uma questão de tempo.
Jornal Eiko, nº 78 — 15 de outubro de 1952