Passarei a escrever, aqui, sobre o Museu de Artes de Hakone, considerado atualmente o primeiro do Japão. Creio que a leitura do presente texto nos induzirá à compreensão de que o citado museu não se trata de obra realizada pelo engenho do homem. É que ele ficou pronto por meio de uma completa sucessão de milagres. Particularmente, no que diz respeito à sua rapidez. Não haverá, em absoluto, neste vasto mundo, caso algum de museu cuja construção tenha ocorrido a tal velocidade e cujo vasto acervo de obras de primeira categoria tenha sido reunido em tão curto espaço de tempo. Quem quer que o veja — como é fato conhecido — expressa não elogios superficiais, mas, sim, emite palavras de sincera admiração. Se isso não for obra de Deus, o que será então? Embora eu ainda desconheça sobre o exterior, no tangente aos museus de arte espalhados pelo território nacional, com exceção dos grandes museus globais e das coleções particulares, foram todos formados pelos amantes das artes provenientes dos zaibatsu e das classes abastadas, os quais despenderam neles toda uma vida.
Contudo, o nosso Museu de Arte de Hakone é um prodígio. Ficou pronto em pouquíssimos anos, depois de traçado o seu projeto, o que é fascinante, porque os fundos necessários amealharam-se com as doações dos fiéis, e as obras de arte acumularam-se aos poucos, após o final da guerra, ou foram tomadas emprestadas; eu jamais as busquei com base no meu pensamento. Em suma, foi tudo deixado inteiramente à livre vontade de Deus, inclusive quanto ao gênero. Outrossim, aquilo que eu queria foi comprado a um preço relativamente baixo, além das obras doadas por fiéis, as quais, curiosamente, também, tratavam-se do que era preciso. Desta maneira, arranjou-se justamente a quantidade suficiente de objetos para serem exibidos em um museu de artes. Por mais que se medite, tal acontecimento não pode ser considerado obra humana. Tudo, do princípio ao fim, correu perfeitamente, como se Deus me fizesse agir de acordo com a Sua intenção. Foi cômodo para mim. Caso não fosse obra divina, não haveria motivo para as coisas irem tão bem assim.
No tocante aos planos para o corrente ano, como se poderá verificar, são bastante distintos dos do ano passado. Basta dizer que se ajuntaram tantas peças de arte antiga de países estrangeiros — egípcias, gregas, persas, hindus e chinesas —, que uma só sala não é suficiente para comportá-las.
Contudo, isso não significa que, desde o princípio, eu tivesse esse propósito, mesmo em sonhos, de reunir peças assim. Em primeiro lugar, eu não possuía conhecimento algum a respeito da arte ocidental antiga, quando, logo no limiar do ano novo, essas peças começaram a chegar uma atrás da outra. Como, naturalmente, no Japão, não se conhece muito sobre tais obras, foi possível coletá-las com facilidade, a preços módicos, o que não apenas me proporcionou alegria, como também percebi, conforme crescia minha compreensão acerca do assunto, que as citadas obras são ricas em atrativos, algo que não permite pô-las de lado. Novamente, não pude deixar de admirar-me com a profundidade dos desígnios divinos. Ademais, como obra desse gênero ainda não foi coletada por ninguém, inclusive pelos grandes museus, o Museu de Artes de Hakone tomou a vanguarda.
A seguir passarei a relatar acerca do prédio anexo, que recentemente ficou pronto, e para o qual se programa, a partir do dia primeiro de junho, uma mostra de xilogravuras ukiyo-e. Também aqui há mistério. Explico: no outono do ano passado, dirigi-me a Quioto para ver uma exposição das citadas gravuras no seu Museu Municipal de Artes. Nessa oportunidade, eu, que até então não tinha muito interesse por tal tipo de arte, reconsiderei o seu valor. Felizmente, apresentaram-me ainda o senhor Ichitaro Kondo, do Museu Nacional de Tóquio — especialista no assunto e responsável por aquela exposição —, de quem tive uma preleção variada, captando a síntese dessa modalidade de arte. Posteriormente, tendo explicações de outro entendido, adquiri certo grau de conhecimento e, ao mesmo tempo, sem que eu pedisse, vieram facilmente ajuntar-se peças raras e ótimas.
Sentindo ser esta a manifestação da vontade de Deus, a de ordenar a realização de uma mostra de xilogravuras de ukiyo-ê, percebi ao mesmo tempo que eu deveria, portanto, edificar logo um anexo, porque o edifício inicial era pequeno para o propósito. Com a conclusão das obras, convenci-me da minha percepção: o panorama, naquele lugar, ganhou maior vida com o prédio anexo.
Como se pode concluir do relato acima, os desígnios divinos, com sua profundidade e sutileza, em todos os pontos, são imperscrutáveis, e, por isso, trago o meu íntimo sempre pleno de comoção. Por mais que eu medite, sempre confirmo a sapiência de Deus, admirando-me com a perfeição dos Seus planos.
Jornal Eiko, nº 207 — 6 de maio de 1953