CAPÍTULO 17 – NUTRIÇÃO

Nas páginas precedentes, discorri sobre os terríveis efeitos dos medicamentos e penso que isto já ficou claro, mas tampouco devemos perder de vista os grandes erros cometidos no campo da alimentação. Já escrevi sobre a inconveniência das proteínas animais nos capítulos sobre a tuberculose. Não se limitam a isto, porém, os erros em que caiu a dietética moderna em geral. O seu pior erro consiste no fato de se ocupar somente com as variedades de alimentação, esquecendo-se da importância das funções orgânicas que intervêm na nutrição, como veremos a seguir.

Com as vitaminas, por exemplo, que são divididas em grupos – A, B, C, D, etc. – procura-se suprir a sua carência no organismo. Isto é absurdo, porque significa ignorar totalmente a faculdade natural das funções orgânicas. Estas produzem suficientes vitaminas, carboidratos, proteínas, aminoácidos, glicogênio, gorduras e quaisquer outras substâncias para nutrir plenamente o organismo. Ainda que um alimento não contenha nenhuma vitamina, será elaborado e transformado na necessária quantidade de vitaminas por uma atividade mágica dos órgãos nutrientes. Por isso, as dietas balanceadas com uma superalimentação produzem no corpo um efeito contrário, pois quanto mais abundante a nutrição, mais o corpo se debilitará. De modo análogo, quanto maior a quantidade de vitaminas, tanto mais carente de vitaminas ficará o indivíduo. Isto não é de estranhar, porque, quanto mais elementos nutrientes são introduzidos no organismo, mais regride a função natural dos órgãos produtores desses elementos nutrientes, uma vez que o desuso faz cessar a sua atividade.

O homem hoje tende cada vez mais a ingerir esses elementos nutrientes artificialmente elaborados, ou seja, sob forma dos chamados alimentos completos. Ora, por princípio, a força vital do ser humano é gerada pela atividade das funções orgânicas. Destas, pode-se dizer que a função digestiva é a principal geradora da força vital. Isto significa que a força vital depende da atividade das funções digestivas. Em outras palavras, o laborioso e complicado processo mediante o qual o organismo transforma os alimentos incompletos em alimentos completos é que dá origem à força vital. Tanto é que nos sentimos enfraquecidos quando temos o estômago vazio, porque cessou o laborioso processo de transformação dos alimentos. E, assim que ingerimos algum alimento, o nosso corpo imediatamente se revitaliza. Como todos os órgãos do corpo estão inter-relacionados, é natural que, quando enfraquece o principal, que é o órgão digestivo, os demais também enfraqueçam.

O exercício físico é uma atividade necessária para a saúde do ser humano. A sua ação principal se exerce num aumento do metabolismo, através duma ativação da circulação periférica ou muscular. Na parte interna ou visceral do organismo, a ação do exercício muscular também é benéfica, mas secundária ou suplementar. A condição fundamental para melhorar a saúde é, portanto, fortalecer a atividade dos órgãos digestivos. Os alimentos facilmente digeríveis enfraquecem os órgãos. Os alimentos naturais são geralmente melhores. Podemos ver, assim, que a medicina erra ao recomendar os alimentos de fácil digestão, aconselhando, ademais, que se exerça uma boa e demorada mastigação sobre os alimentos. Isto também não é bom, porque enfraquece o estômago. O relaxamento dos tecidos do estômago (gastroptose) é uma doença totalmente criada pelo homem. Quando uma pessoa só come alimentos facilmente digeríveis, mastigando-os demoradamente e, além disso, tomando continuamente medicamentos conhecidos como digestivos, o seu estômago se enfraquece paulatinamente, perdendo o tônus natural. O resultado é o relaxamento dos tecidos. Portanto, uma rematada tolice.

Vou relatar um fato de minha própria experiência. Nos anos 20, o fletcherismo[1] estava muito em voga nos Estados Unidos. Fletcher afirmava que era muito importante para a saúde mastigar bem os alimentos. Experimentei e, como a princípio me senti bem, decidi continuar. Um mês mais tarde, entretanto, percebi que estava enfraquecendo paulatinamente e perdendo as forças. Voltei então a mastigar como fazia antes e recuperei a saúde. Podemos ver, assim, que quase todas as teorias científicas relativas à nutrição contrariam a realidade, não sendo, portanto, benéficas para a saúde.

Tomemos outro exemplo. As mães lactantes que têm pouco leite são aconselhadas a tomar leite de vaca. Isto é ridículo. É natural que o recém-nascido seja infalivelmente acompanhado da lactação que o alimentará. Se o leite é escasso, é porque há algo errado em algum ponto. É preciso, portanto, descobrir onde está o erro e corrigi-lo. A ciência médica, porém, não percebe o erro. E, mesmo que o perceba, nada pode fazer. Por isso, os médicos japoneses recomendam às mães que tomem leite de vaca. Será que eles pensam que o leite de vaca passa diretamente da boca para o bico do seio? Quando a mãe toma leite de vaca, produz, ao contrário, menos leite. Porque, com a introdução de leite externo, a função do órgão responsável se atrofia.

Há doentes que, espantosamente, tomam sangue de animais como nutrição. Isto, muitas vezes, produz um efeito momentâneo. Mas, na verdade, enfraquece os órgãos que produzem sangue no organismo e a conseqüência, ao contrário, é a anemia. Pense bem: o ser humano, alimentando-se de pão e arroz brancos, vegetais verdes e cereais amarelos, produz sangue que é vermelho. Que maravilhosa máquina produtora é o corpo humano produzindo sangue a partir de elementos que não contém um pingo de sangue! Mas o que acontece se uma pessoa ingerir sangue animal? É evidente que não produzirá sangue. Até a vaca, que se alimenta de capim, produz um excelente leite. Por que não poderia fazê-lo o ser humano? Podemos ver, assim, que a causa dos erros da ciência da nutrição reside no fato de se ignorar totalmente a Natureza, inclinando-se exclusivamente para a teoria.

Os alimentos que mais contêm os elementos essenciais para a perfeita nutrição do ser humano são os vegetais. Os monges zen-budistas normalmente chegam a uma idade mais avançada do que as outras pessoas porque se alimentam com simplicidade. O escritor inglês Bernard Shaw, que faleceu aos 94 anos, foi um vegetariano notório.

Um dia, quando eu viajava de trem pelo Norte do Japão, vi sentar-se ao meu lado um camponês de cerca de 50 anos de idade, corado e de aparência muito saudável. De vez em quando, ele tirava algumas folhas verdes de pinheiro do bolso do paletó e as comia com evidente prazer. Expressei-lhe a minha estranheza e ele me respondeu orgulhosamente que há mais de dez anos só se alimentava de folhas verdes de pinheiro. Acrescentou que anteriormente fora um homem muito fraco e que começara a comer folhas verdes de pinheiro porque ouvira dizer que eram boas para a saúde. A princípio, o paladar não lhe agradara. Mas, com o tempo, foi-se habituando e adquiriu uma excelente saúde. E, desabotoando o paletó, mostrou-me a musculatura de seu braço.

Há algum tempo, um jornal publicou a história de um rapaz que se alimentava exclusivamente de folhas de chá usadas. A história é verdadeira e foi relatada pelo próprio jovem.

Certa vez, quando escalei o Yarigadake, nos Alpes japoneses, espantei-me ao ver que a marmita de meu guia continha apenas arroz branco, que ele dizia estar saboroso. Ofereci-lhe alguns mantimentos enlatados, mas ele os recusou terminantemente. Mesmo assim, ele subia e descia a montanha diariamente, percorrendo um trajeto de cerca de 40 quilômetros com um fardo de mais de 40 quilos nas costas.

Vejamos um exemplo mais antigo. Hakuseki Arai, um eminente confucionista[2] que viveu em fins do shogunato[3] Tokugawa, morou, durante algum tempo, em sua juventude, num quartinho sobre uma loja de tofu[4]. Durante dois anos, ele se alimentou exclusivamente de bagaço de soja.

Já mencionei nas páginas anteriores que eu mesmo, para curar-me da tuberculose, alimentei-me durante três meses exclusivamente de vegetais. Fiquei completamente curado com essa dieta, na qual não inclui sequer peixes secos e tampouco remédios. Quando uma pessoa chega aos 90 anos de idade, deveria ater-se a uma dieta vegetariana e alimentar-se frugalmente, para rejuvenescer. A alimentação tosca, rude e sem refinamentos é preferível aos alimentos industrializados ou refinados, porque obriga os órgãos digestivos a trabalharem mais energicamente, para produzir todos os elementos que integram a nutrição. Essa ativação dos órgãos digestivos é que provoca o rejuvenescimento da pessoa, dando-lhe, ao mesmo tempo, saúde e longevidade.

A saúde dos trabalhadores da Manchúria é considerada tão extraordinária, que alguns cientistas ocidentais, segundo ouvi dizer, para lá se dirigiram a fim de estudar o caso. E, no entanto, a alimentação desses trabalhadores restringe-se a apenas três grandes pães de koaliang[5] por dia, um em cada refeição. O que dirão disto os cientistas, do ponto de vista nutritivo?

Por esses exemplos, vemos que a ciência da nutrição erra ao recomendar a mistura de várias categorias de alimentos em cada refeição. É preferível que esta seja a menos variada possível. Quando uma pessoa ingere continuamente o mesmo alimento, a atividade da função orgânica que produz nutrição se fortalece. Tal qual uma pessoa que, ao dedicar-se a um único trabalho, se especializa, adquirindo maior destreza.

Outro fato inusitado é que as pessoas que fazem uma dieta vegetariana sentem mais calor. É verdade que quem come carne sente um calor imediato. Mas, ao fim de algumas horas, passa a sentir mais frio. Compreende-se, assim, que os desenvolvidos sistemas de aquecimento na Europa e nos Estados Unidos se devam a uma alimentação predominantemente carnívora, o que torna as pessoas mais sensíveis ao frio. Os antigos japoneses, que não comiam carne, suportavam o frio com maior facilidade. Por isso, construíam suas casas sem pensar muito em protegê-las do inverno. Os trabalhadores andavam com as pernas descobertas dos joelhos para baixo, mesmo em pleno inverno. As mulheres usavam uma ou duas anáguas de algodão debaixo da saia e geralmente nem vestiam meias. As mulheres de hoje cobrem-se com várias malhas de lã e ainda tremem de frio.

Há outros pontos importantes a observar. Hoje em dia, costuma-se dizer que os homens do campo são subnutridos e recomenda-se que comam mais carne de peixes, aves e animais. Isto também é um erro. A nutrição proveniente da alimentação vegetariana aumenta fundamentalmente a resistência, permitindo exercer um trabalho pesado durante longas horas, sem que advenha cansaço. Foi por isso que, desde a Antiguidade, os lavradores japoneses, homens e mulheres, puderam trabalhar desde o alvorecer até o escurecer. Se agora passarem a comer muitos alimentos de origem animal, a sua produtividade cairá. Um dos fatores que influenciaram o surgimento da mecanização da agricultura, nos Estados Unidos, foi a necessidade de compensar a falta de resistência física dos lavradores com a inteligência. Portanto, se os lavradores passarem a comer mais alimentos de origem animal, o seu trabalho terá de ser acompanhado pela força das máquinas.

A alimentação vegetariana, portanto, é a mais indicada para o corpo. Mas há outros fatores a considerar. Se os vegetais constituem a melhor alimentação para o lavrador, já para o homem da cidade, que trabalha mais com a mente do que com o corpo, por exemplo, é necessária uma nutrição adequada para o exercício de um trabalho mental ou competitivo. No caso do Japão, esta é suprida pelas carnes de peixes e aves, que têm prioridade sobre a carne de animais, o que é natural, sendo o Japão uma ilha. Essencialmente, a carne de peixes e aves é uma boa nutrição para o cérebro, tornando-o mais vigoroso e inteligente. As carnes animais estimulam a vontade de competir, que pode transformar-se em vontade de lutar. Isto é claramente observável na história das raças brancas. Graças ao espírito competitivo foi que a raça branca desenvolveu a cultura que hoje conhecemos. Por outro lado, entretanto, o espírito de luta tem dado margem a guerras intermináveis. Tem havido muito mais guerras entre os países civilizados do Ocidente do que entre os países do Oriente.

Em síntese, posso dizer que o ser humano deve alimentar-se naturalmente, sempre que tiver vontade de comer, e sem se preocupar muito com nutrição. Para o habitante das cidades, é preferível uma alimentação constituída em proporções iguais de produtos vegetais e animais. Para os lavradores e doentes, é mais adequada uma alimentação constituída de 70 a 80 por cento de produtos vegetais e 30 por cento de animais. Com esse tipo de dieta e desde que não se tomem medicamentos, não surgirão doenças. Portanto, as atuais teorias sobre higiene e saúde não condizem com a realidade. Além de representar uma perda de tempo, trazem maus resultados. Pobre homem civilizado!

[1] Fletcherismo: de Horace Fletcher, um nutricionista americano, o qual ensinava que é preciso mastigar os alimentos o máximo possível.

[2] Confucionista: especialista em Confúcio e nos textos clássicos chineses.

[3] Shogum: título dos governadores militares japoneses anteriores à revolução de 1867.

[4] Tofu: queijo de soja.

[5] Koaliang: um cereal silvestre.